Autocrítica

A cada passo que damos, somos acompanhados por uma voz interna que avalia tudo aquilo que fazemos. Você já parou para prestar atenção nela? Se você parar um pouco para olhar para essa voz, perceberá que ela diz muito sobre você. Como é essa voz? Com que tom ela fala? Ela tende a se prender mais aos seus acertos ou aos seus erros? Se você é como a maior parte das pessoas na nossa cultura, perceberá que ela é predominantemente crítica: “você não deveria ter feito isso”, “você não tem jeito mesmo”, “você não serve para isso”.

Essa voz interna é construída ao longo das nossas vidas. Ela tem suas raízes na infância e na adolescência, mas mesmo na idade adulta pode continuar a adquirir combustível para se tornar mais forte e poderosa. A nossa cultura é essencialmente crítica. Sentimos que estamos sempre na falta, esperando algo que nos preencha e nos torne realizados. Na tradição judaico-cristã, a redenção vem através do sofrimento. Além disso, somos seres imperfeitos e pecadores, a quem algo falta. Aprendemos, então, desde cedo, a nos criticar e a notar especialmente aquilo que está faltando — especialmente em nós mesmos.

Além de vivermos dessa forma, também nos apegamos à nossa autocrítica. Quando confrontados com a possibilidade de abandonar o hábito de se avaliar negativamente, as pessoas podem reagir com desconfiança ou desconforto. A crença que se revela nesse momento é a de que a autocrítica nos movimenta. Acreditamos que, se pararmos de nos criticar, pararíamos de agir. Nos tornaríamos preguiçosos e relapsos. O que não questionamos é quão estranho é o fato de que nossa motivação seja essencialmente negativa: preciso agir para tentar ser menos ruim.

Mesmo quando percebemos esse mecanismo, ainda assim é difícil mudar. Se nos perguntarmos porque é tão complicado, veremos que a resposta mais provável é: por medo. Medo da situação desconhecida que é não se cobrar. Medo de não saber como “funcionar” de uma forma diferente daquela com a qual sempre estivemos acostumados.

O paradoxal é que temos medo de parar de agir pela crítica porque acreditamos que se continuarmos nos criticando, vamos chegar ao lugar que desejamos. E acreditamos que, nesse lugar maravilhoso, tudo estará bem e não nos criticaremos mais. Não seria mais simples parar de agir em função da autocrítica? Também não percebemos que vivemos dessa forma por décadas e esse lugar não chega. Parece só que só falta mais um pequeno passo, e depois mais um e mais um…

Esse lugar pacífico não está no fim de uma série inúmera de conquistas, mas é acessível hoje, com uma mudança de perspectiva. Infelizmente, preferimos continuar com o olhar fixo no horizonte, chicoteando as nossas próprias costas com a autocrítica, sem perceber que o tesouro está sob nossos pés.

 

Foto: John Towner

2 Comentários

    1. Oi, Luciene. Que bom que gostou. Caso se interesse, pesquise sobre Terapia Focada na Compaixão.

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