Como você alimenta sua mente?

Nós temos consciência de que aquilo que comemos ou bebemos influencia nossa saúde e nosso bem estar. Sabemos que se ingerirmos uma refeição pesada à noite, podemos dormir mal. Que se bebermos álcool em excesso, ficaremos embriagados. Se consumirmos doces além do ideal, ganharemos peso. Por outro lado, temos conhecimento de que ao nos alimentarmos com vegetais, frutas, proteínas e carboidratos em equilíbrio, nosso corpo e nossa qualidade de vida será maior. Nem sempre conseguimos fazer isso, mas ao menos sabemos das relações entre causa e efeito na nossa alimentação.

Esta, entretanto, não é uma reflexão sobre comida. Na verdade, fiz essa introdução para que você parasse para pensar nas outras coisas que consome. Coisas que, ao contrário da comida, não percebemos tão claramente os efeitos que podem ter no nosso humor, no nosso bem estar e até na nossa saúde de uma forma geral. Por exemplo: que tipo de programa de TV você assiste? Que revistas você lê? A que quantidade de propagandas você se expõe? Por quais livros você se interessa? Quais filmes você escolhe assistir? Quanto tempo você gasta em redes sociais?

Todas essas coisas podem ser enxergadas como alimentos. Só que, em vez de nutrirem o nosso corpo, elas nutrem nossos pensamentos, nossas emoções e nosso estado de espírito. Você já parou para pensar nos efeitos daquilo que você consome sobre o seu estado mental? Por exemplo, como você se sente quando vê uma revista cheia de modelos com corpos perfeitos e as roupas da moda? Como se sente ao assistir um programa de TV repleto de propagandas dizendo o que você deve comprar? Que tipo de emoções surgem quando você vê fotos das pessoas em situações fantásticas no Instagram ou no Facebook? Que tipo de pensamento aparece quando você assiste ao noticiário ou lê o jornal?

Se você for como eu, perceberá que, na maioria das vezes, todo esse conteúdo gera muito mais reações negativas do que positivas. Noticiários nos deixam com raiva e indignação — porque notícias vendem mais se causarem impacto emocional. Propagandas fazem com que nos sintamos mal com nós mesmos — e claro, a “solução” que nos vendem é que consumamos mais para preencher nossos vazios. Redes sociais causam sentimento de menos valia, de inadequação — “todos têm uma vida perfeita, menos eu”. Por que será que continuamos nos alimentando de tanta coisa que só nos faz mal?

Abaixo listei algumas ações que adotei a fim de lidar com o consumo de “alimentos” nocivos para a mente, bem como os medos que tinha e o que descobri ao colocar em prática. Não estou querendo dizer que essa é a forma com que você necessariamente deveria lidar com isso; são apenas mudanças que eu adotei a partir da reflexão sobre o que me fazia mal. A sua reflexão pode levar você a outros caminhos.

Apagar Facebook e outras redes sociais

Não estou em nenhuma rede social. Apaguei todas as minhas contas em Facebook, Instagram, Google Plus, Twitter, LinkedIn etc.

Medo: vou perder o contato com os amigos e não vou mais saber o que está acontecendo.

O que descobri: não perdemos o contato com os amigos. Perdemos o contato apenas com aquelas pessoas com quem já não falávamos. As pessoas realmente próximas mantêm o contato de outras formas. E aquilo que deixamos de saber não faz a menor diferença nas nossas vidas. Bônus: depois de algumas semanas, você até esquece de que redes sociais existem.

Cortar o consumo diário de notícias

Parei de assistir noticiários, entrar em sites de notícias, ler jornais e revistas.

Medo: vou ficar desinformado e alienado.

O que descobri: as notícias chegam a você de outras formas. As pessoas contam aquilo que é relevante. E o mais interessante é que isso dá uma ótima oportunidade para estabelecer conversas enriquecedoras. Em vez de ter uma opinião formada e estabelecer conversas paralelas, você pode pedir que o outro lhe conte as novidades, com interesse genuíno pelo que está ouvindo. As pessoas ficam felizes de poder fazer isso. E, a partir daquilo que ouve, você pode se aprofundar em assuntos que lhe interessam procurando especificamente por eles, em vez de ser bombardeado diariamente com informações diversas.

Fugir de TV e propagandas

Não tenho TV a cabo (apenas uma antena de TV digital). Não assisto TV, com exceção, confesso, de um ou outro evento esportivo, com a TV sem som (por que preciso de alguém descrevendo incessantemente tudo que já estou vendo?) e desligando durante os comerciais. No computador, uso o AdBlock para bloquear propagandas em sites e nunca olho ou aceito propagandas na rua. Se você reparar, aqui no Vida Boa não há ícones de redes sociais nem anúncios (exceto um colocado ocasionalmente pelo WordPress.com, onde o blog está hospedado, e que você pode bloquear com o AdBlock).

Medo: a vida será entediante sem distrações que envolvem propagandas, como TV.

O que descobri: as propagandas não são feitas para o seu bem estar, por mais que elas tentem disfarçar isso, como o comercial de banco que mostra pessoas felizes (mas nunca mostram alguém perdendo o sono por causa das dívidas), ou a de um novo celular que mudará sua vida (mas deixam de fora as linhas de produção na Ásia com pessoas em condições péssimas de trabalho). Eliminar as propagandas nos faz deixar de olhar para tudo — inclusive nós mesmos — procurando o que está faltando. Quando você deixa de assistir TV, descobre que há muitas outras coisas que pode fazer com o seu tempo, como ler, passear, ficar ao ar livre ou simplesmente ao lado de pessoas de quem gosta.

Quanto passei a adotar essas estratégias, além de perceber que os medos que tinha eram infundados, percebi uma grande melhora no meu bem estar, no humor, nos tipos de pensamentos e sensações que surgiam em mim. Passei a ter menos sentimentos negativos e mais paciência, tolerância e compaixão — inclusive comigo mesmo. É nesse momento que nos damos conta que há muitas coisas nocivas que consumimos sem termos consciência dos efeitos que elas nos trazem. Da mesma forma que, quando temos uma indigestão, tentamos identificar o que comemos que nos fez mal, quando estamos constantemente com sentimentos negativos, precisamos identificar com o que estamos alimentando nossa mente.

Do mesmo jeito que alimentos que nos fazem mal tentam nos seduzir pela embalagem ou pelo sabor exagerado, redes sociais e propagandas tentam nos fazer acreditar que elas são boas para nós. E aí é só lembrar que, quase sempre, se algo é grátis, é porque você é o produto. Você é o produto que a TV, os jornais e as revistas tentam vender para os anunciantes, a fim de fazer com que você consuma sempre mais. O entretenimento, a diversão e a “informação” que nos oferecem são apenas chamarizes para que você possa fazer parte da audiência que será vendida para quem tenta fazer você consumir sempre mais. Esse custo, no entanto, é muito alto, como você poderá perceber por conta própria ao dizer não.

Comer com mindfulness

No nosso caminho para viver bem, tendemos a negligenciar, por conta das demandas da nossa vida contemporânea, a forma como nos relacionamos com o próprio corpo. Se procuramos a alegria a qualquer custo e escapes para sensações negativas e responsabilidades, expressamos isso no corpo, enxergando-o excessivamente como um instrumento para nos proporcionar prazer e pouco como algo que precisa de cuidado e atenção. E isso se percebe notadamente na alimentação.

É muito comum usar a comida e a bebida em função dos efeitos que elas produzem no nosso estado emocional, deixando totalmente de lado a questão nutricional. Certos tipos de alimento, como doces, ou bebidas, como o álcool, podem funcionar para reduzir a ansiedade, a tristeza e nos proporcionar um prazer momentâneo. O problema é que, além das consequências para a própria saúde, esses escapes são ruins até para as próprias sensações negativas que tentamos evitar: como não as encaramos, elas tendem a ficar mais fortes, fazendo com que se recorra novamente a comer ou beber para produzir os mesmos efeitos — só que com maior frequência ou quantidade.

E não é apenas o que comemos, mas também como comemos. Podemos negligenciar o tempo e o cuidado que uma refeição adequada necessitam, em prol de outras atividades que julgamos mais importantes no dia a dia, como o trabalho, compromissos ou até mesmo atividades de lazer.

Pedi à Jamile Ramos, nutricionista em Mogi das Cruzes – SP, que comentasse sobre o assunto:

com essa nossa vida corrida e caótica, dedicamos pouco tempo as refeições, que normalmente são feitas de forma rápida e acompanhadas de alguma distração (reuniões, livros, celulares, TV, etc). Com isso, engolimos a comida e não a mastigamos. Temos como consequências nutricionais a má digestão, que se inicia no processo da mastigação, e o aumento de peso, pois estudos comprovam que pessoas comem menos quando comem devagar, entre outras. Acho importante citar que devemos evitar nos alimentar quando estamos nervosos e deixar de lado, na hora das refeições, problemas pessoais e profissionais, pois do contrário acabamos “descontando” na comida.

Por isso, uma das maneiras de mudar a nossa relação com a forma como comemos é aplicar o conceito de mindfulness, ou atenção plena, ao nos alimentarmos, por meio de alguns passos como os seguintes.

1. Preste atenção no funcionamento do seu corpo

Procure ter, ao longo do dia, consciência do seu corpo funcionando, especialmente o funcionamento que está fora do seu controle. Não é impressionante que ele faça tantas coisas sem que você nem mesmo se dê conta? Uma delas é a digestão. Perceba como ela ocorre independentemente da sua vontade, de forma regular. Atente aos sons do seu estômago, movimentos intestinais e às eventuais cólicas ou dores. Reflita como a forma como você se alimenta influencia esse processo.

2. Diferencie fome e vontade de comer

Quando você sentir vontade de comer, pense na função daquele comportamento. Você está realmente com fome? Sente seu estômago vazio, roncando? Você está procurando um momento de prazer num chocolate, ou o alívio de alguma angústia numa lata de cerveja? Tente se alimentar de acordo com as necessidades do seu corpo, e não por conta das suas necessidades emocionais.

3. Elimine distrações

Quando você for se alimentar, faça isso com o tempo, atenção e cuidado que esse momento merece. Elimine distrações, ou seja, não coma mexendo no celular, assistindo TV ou lendo o jornal. Use, sempre que possível, seus melhores pratos e copos. É uma forma de valorizar esse momento, por mais que seja cotidiano.

4. Pare e saboreie

Ao comer ou beber, pare a cada pedaço, a cada garfada, a cada gole. Coloque o copo ou o garfo de volta na mesa e preste atenção naquilo que você está ingerindo. Quais as sensações que aquele alimento provoca? Como é o gosto, a textura, a temperatura, o aroma? Não mastigue enquanto corta o próximo pedaço. Faça uma coisa de cada vez, com seu devido tempo.

5. Atente à saciação

Se você comer com mais atenção, provavelmente sentirá necessidade de comer menos, pois dará ao seu corpo mais tempo para avisá-lo de que você já chegou no ponto de saciação sem comer tanto em excesso. Respeite seu corpo e não coma além daquilo que ele pede. Ou, ainda, você pode parar de comer sempre um pouco antes de se sentir o estômago cheio.

6. Esqueça os resultados

Se você incorporar a prática de mindfulness na sua alimentação, é bem provável que perca peso. Mas o melhor seria se você não se preocupasse com isso, e não adotasse essas práticas com essa função. Pois fica muito difícil focar no momento presente se você está pensando no quanto poderá emagrecer se comer desse ou daquele jeito. Adicionalmente, essa preocupação com resultados é a própria ansiedade, o que torna a prática de mindfulness incompatível com a ideia de fazê-lo em função de qualquer consequência futura. Valorize o momento, o alimento, encante-se com o seu corpo funcionando. Olhe para o agora.