Comer com mindfulness

No nosso caminho para viver bem, tendemos a negligenciar, por conta das demandas da nossa vida contemporânea, a forma como nos relacionamos com o próprio corpo. Se procuramos a alegria a qualquer custo e escapes para sensações negativas e responsabilidades, expressamos isso no corpo, enxergando-o excessivamente como um instrumento para nos proporcionar prazer e pouco como algo que precisa de cuidado e atenção. E isso se percebe notadamente na alimentação.

É muito comum usar a comida e a bebida em função dos efeitos que elas produzem no nosso estado emocional, deixando totalmente de lado a questão nutricional. Certos tipos de alimento, como doces, ou bebidas, como o álcool, podem funcionar para reduzir a ansiedade, a tristeza e nos proporcionar um prazer momentâneo. O problema é que, além das consequências para a própria saúde, esses escapes são ruins até para as próprias sensações negativas que tentamos evitar: como não as encaramos, elas tendem a ficar mais fortes, fazendo com que se recorra novamente a comer ou beber para produzir os mesmos efeitos — só que com maior frequência ou quantidade.

E não é apenas o que comemos, mas também como comemos. Podemos negligenciar o tempo e o cuidado que uma refeição adequada necessitam, em prol de outras atividades que julgamos mais importantes no dia a dia, como o trabalho, compromissos ou até mesmo atividades de lazer.

Pedi à Jamile Ramos, nutricionista em Mogi das Cruzes – SP, que comentasse sobre o assunto:

com essa nossa vida corrida e caótica, dedicamos pouco tempo as refeições, que normalmente são feitas de forma rápida e acompanhadas de alguma distração (reuniões, livros, celulares, TV, etc). Com isso, engolimos a comida e não a mastigamos. Temos como consequências nutricionais a má digestão, que se inicia no processo da mastigação, e o aumento de peso, pois estudos comprovam que pessoas comem menos quando comem devagar, entre outras. Acho importante citar que devemos evitar nos alimentar quando estamos nervosos e deixar de lado, na hora das refeições, problemas pessoais e profissionais, pois do contrário acabamos “descontando” na comida.

Por isso, uma das maneiras de mudar a nossa relação com a forma como comemos é aplicar o conceito de mindfulness, ou atenção plena, ao nos alimentarmos, por meio de alguns passos como os seguintes.

1. Preste atenção no funcionamento do seu corpo

Procure ter, ao longo do dia, consciência do seu corpo funcionando, especialmente o funcionamento que está fora do seu controle. Não é impressionante que ele faça tantas coisas sem que você nem mesmo se dê conta? Uma delas é a digestão. Perceba como ela ocorre independentemente da sua vontade, de forma regular. Atente aos sons do seu estômago, movimentos intestinais e às eventuais cólicas ou dores. Reflita como a forma como você se alimenta influencia esse processo.

2. Diferencie fome e vontade de comer

Quando você sentir vontade de comer, pense na função daquele comportamento. Você está realmente com fome? Sente seu estômago vazio, roncando? Você está procurando um momento de prazer num chocolate, ou o alívio de alguma angústia numa lata de cerveja? Tente se alimentar de acordo com as necessidades do seu corpo, e não por conta das suas necessidades emocionais.

3. Elimine distrações

Quando você for se alimentar, faça isso com o tempo, atenção e cuidado que esse momento merece. Elimine distrações, ou seja, não coma mexendo no celular, assistindo TV ou lendo o jornal. Use, sempre que possível, seus melhores pratos e copos. É uma forma de valorizar esse momento, por mais que seja cotidiano.

4. Pare e saboreie

Ao comer ou beber, pare a cada pedaço, a cada garfada, a cada gole. Coloque o copo ou o garfo de volta na mesa e preste atenção naquilo que você está ingerindo. Quais as sensações que aquele alimento provoca? Como é o gosto, a textura, a temperatura, o aroma? Não mastigue enquanto corta o próximo pedaço. Faça uma coisa de cada vez, com seu devido tempo.

5. Atente à saciação

Se você comer com mais atenção, provavelmente sentirá necessidade de comer menos, pois dará ao seu corpo mais tempo para avisá-lo de que você já chegou no ponto de saciação sem comer tanto em excesso. Respeite seu corpo e não coma além daquilo que ele pede. Ou, ainda, você pode parar de comer sempre um pouco antes de se sentir o estômago cheio.

6. Esqueça os resultados

Se você incorporar a prática de mindfulness na sua alimentação, é bem provável que perca peso. Mas o melhor seria se você não se preocupasse com isso, e não adotasse essas práticas com essa função. Pois fica muito difícil focar no momento presente se você está pensando no quanto poderá emagrecer se comer desse ou daquele jeito. Adicionalmente, essa preocupação com resultados é a própria ansiedade, o que torna a prática de mindfulness incompatível com a ideia de fazê-lo em função de qualquer consequência futura. Valorize o momento, o alimento, encante-se com o seu corpo funcionando. Olhe para o agora.

Para que serve a meditação?

Não tente ser nada.
Não tente se tornar nada.
Não seja alguém que medita.
Não se torne iluminado.
Quando sentar, deixe ser como é.
Quando andar, deixe ser como é.
Não se agarre a nada.
Não resista a nada.
Ajahn Chah

Fala-se muito, hoje, nos benefícios da meditação. Se você fizer uma rápida pesquisa, verá que se demonstrou cientificamente que a meditação ajuda na melhora do estresse, ansiedade, depressão, déficit de atenção, só para citar alguns pontos. Um estudo de 2012 mostra como a meditação ajuda na inteligência, foco e no manejo de emoções positivas e negativas, sendo que as psicoterapias que incorporam práticas de mindfulness e meditação apresentam resultados ainda melhores do que a meditação sozinha (Eberth & Sedlmeier, 2012). Outro trabalho (Chiesa & Serretti, 2010) mostrou ganhos tanto para pessoas saudáveis como para indivíduos com problemas de saúde mental, melhorando na chance de recaída da depressão, uso de substâncias e até na diminuição da pressão arterial. Os cientistas, entretanto, ainda buscam entender melhor quais os mecanismos pelos quais a prática de meditação leva a todos esses resultados.

Por um lado, é ótimo que se esteja descobrindo quão benéfica pode ser essa prática. Obter resultados tão positivos numa gama tão ampla de problemas a partir de uma atividade simples, sem custo e que pode ser feita por qualquer um a qualquer momento é fantástico. Costumo conversar com as pessoas que atendo sobre meditação e exercícios de mindfulness. Para aqueles que são receptivos a isso, indico técnicas ou até cursos para que eles possam aprender como meditar e incorporar isso em suas vidas. Até agora, todos aqueles que passaram a fazer isso apresentam melhora tanto no estado emocional como na forma de lidar com as dificuldades.

Por outro lado, quando vejo a meditação utilizada como uma técnica voltada à resolução de um problema, sinto que o ponto não é exatamente esse. Tanto que, quando recomendo a meditação, procuro não prever resultados ou dizer que ela é útil para nada específico. Sugiro que a pessoa passe a praticar e veja o que acontece. Isso porque a meditação é sim uma ferramenta, mas uma ferramenta que pode ser muito mais ampla do que algo apenas para “relaxar”, “aliviar o estresse” ou “melhorar o foco”. A meditação é algo que pode mudar a forma como enxergamos a vida, o mundo e, principalmente, a nós mesmos. Ela possibilita a ocorrência de insights importantes, ao mesmo tempo que traz serenidade para processar e aplicar tudo o que nos damos conta meditando na própria vida. E é a partir disso que todos esses outros benefícios ocorrem. Uma pessoa que medita tem menos chances de recair numa depressão não porque a meditação vai torná-la sempre alegre, e sim porque ela terá mais clareza sobre a sua própria natureza, sua depressão, seus sentimentos e suas atitudes.

Por isso, ao mesmo tempo que considero bastante relevante incentivar a meditação, acho interessante não ter um resultado específico em mente. Quando a pessoa medita esperando um resultado específico, essa expectativa pode sabotar todo o processo. Uma pessoa ansiosa com certeza cobrará de si mesma conseguir meditar corretamente, conseguir ter benefícios com a meditação, e o fato dela esperar isso será justamente o que vai impedir esses resultados de acontecerem. E, ao constatar que ela não conseguiu atingir esses objetivos, ela se sentirá mal e inadequada, o que pode ser um malefício, não um benefício.

Portanto, a meditação é algo que é melhor feito quando não se tem expectativas, quando não se coloca nela uma utilidade específica. Paradoxalmente, quanto menos se espera dela, mais ela pode oferecer. Acredito que a melhor atitude frente a meditação é: medite; não espere nada; veja o que acontece.

Referências
Chiesa, A., & Serrett, A. (2010). A systematic review of neurobiological and clinical features of mindfulness meditations. Psychological Medicine, 40, 1239-1252.
Eberth, J., & Sedlmeier, P. (2012). The effects of mindfulness meditation: A meta-analysis. Mindfulness, 3, 174-189.