Autoaceitação

Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl G. Jung

Uma pesquisa da Universidade de Hertfordshire avaliou uma série de hábitos ligados à felicidade, como ser caridoso, envolver-se em relacionamentos ou fazer exercícios físicos. O que surpreendeu os pesquisadores foi o fato de um hábito que poderia ser extremamente benéfico para a felicidade ter sido tão pouco praticado pelos participantes da pesquisa: a autoaceitação.

Autoaceitação significa estar bem consigo mesmo do jeito que se é. É estar em paz com suas falhas e qualidades, seus erros e acertos. Parece algo simples, mas se pensarmos bem, veremos que é algo que fazemos muito pouco. Por que é tão difícil conseguirmos nos aceitar?

É possível que haja alguns aspectos culturais exercendo influência nisso, especialmente na vida urbana ocidental. Somos levados a acreditar que precisamos sempre melhorar, que temos uma série de problemas a serem resolvidos e que só podemos ficar bem quando atingirmos uma certa perfeição, que na verdade parece nunca chegar. Criamos uma versão ideal de nós mesmos, com a qual ficamos nos comparando constantemente. Por conta disso, tendemos a nos concentrar nos erros e faltas, o que obviamente acaba fazendo com que nos sintamos inadequados e incompletos.

E, paradoxalmente, essa visão dificulta a nossa mudança, pois estabelece uma perspectiva irreal do que podemos ou não conseguir. Na verdade, aceitar a si mesmo é o primeiro passo para de fato conseguir mudar. Nesse processo, podemos pensar naquilo que realmente pode ser diferente ou não.

Você não pode mudar…

Seu passado

A sua história está sendo constantemente escrita. As páginas que já foram escritas não podem ser mudadas. Embora nosso passado possa conter momentos difíceis e dolorosos, o melhor que temos a fazer é abraçá-lo. Seja como for, aquilo que você viveu é e sempre será a única história que você tem, e pode ser uma fonte de força assumi-la. Use aquilo que você enxerga como erros como uma forma de aprendizado.

Seus sentimentos

Uma das frases que mais ouço nos atendimentos que faço é: “eu não queria estar me sentindo assim”. A nossa reação automática quando ficamos irritados, tristes ou ansiosos é querermos nos livrar desses sentimentos, pois eles incomodam. E é nesses momentos de desespero em que agimos de forma impulsiva ou inconsequente. Um dos pilares essenciais para uma vida boa é aprender a conviver com aquilo que sentimos, seja bom ou ruim.

Seus pensamentos

Não pense num elefante cor de rosa. Você pensou, né? Percebe como não é possível tentar controlar os seus pensamentos? Assim como seus sentimentos, eles brotam o tempo todo na sua mente, vindos sabe-se lá de onde. Se você tentar segurá-los, ou tentar se livrar deles, é provável que eles apenas adquiram mais força. Deixar os seus pensamentos fluirem naturalmente, indo e vindo, é também uma habilidade importante para que você possa viver bem.

Você pode mudar…

Suas ações

É basicamente isso. Você não pode mudar sua história, seu passado, seus genes, seus sentimentos, mas você pode mudar a forma como lida com tudo isso. Aquilo que você faz é o que conta. Mas, atenção: não foque demais nos resultados, especialmente naqueles que dependem muito das circunstâncias. Em vez disso, pense no processo: pense em como você gostaria que suas ações fossem. Ou seja, atente-se aos seus valores, independentemente dos resultados que eles provocam. Aceite o que você é e enxergue-se como o ponto de partida para cada ação sua, pensando no que é o melhor que você pode fazer considerando o que você é nesse momento.

Referência
University of Hertfordshire. (2014, March 7). Self-acceptance could be the key to a happier life, yet it’s the happy habit many people practice the least. ScienceDaily. Retrieved April 5, 2014 from www.sciencedaily.com/releases/2014/03/140307111016.htm

Ambição e contentamento

Qual a utilidade de planejar o que vou comer na semana que vem se eu não puder realmente aproveitar as refeições quando elas chegarem? Se estou tão ocupado planejando o que vou comer na semana que vem que não posso aproveitar plenamente o que estou comendo agora, estarei na mesma situação quando as refeições da próxima semana se tornarem o “agora”.
Alan Watts

Hoje em dia, se você disser que se satisfaz com pouco, corre o risco de ser visto de maneira negativa. Por outro lado, ter ambição tornou-se algo positivo, uma característica valorizada sobretudo nos ambientes profissionais. A ambição é vista como um motivador, como um motor para que as pessoas sejam mais produtivas, trabalhem mais, ganhem mais dinheiro e “conquistem” mais bens materiais ou status.

Não é difícil, então, entender porque a ambição é valorizada. Ela faz todo o sentido dentro de um sistema em que quanto mais as pessoas trabalham e produzem, mais aqueles que exploram o trabalho dos funcionários saem ganhando. Mas isso não quer dizer que a pessoa que trabalha excessivamente também ganhe. É possível que mesmo as compensações materiais que a pessoa ambiciosa obtém não cubram os custos físicos e emocionais de uma mentalidade voltada sempre para mais ganho.

Se olharmos de perto, percebemos que a ambição é baseada num sentido de falta, de que o que se tem num determinado momento não é bom nem suficiente: é preciso mais. Cria-se, então, um futuro ideal, em que a pessoa se visualiza conseguindo aquilo que deseja, seja uma casa, um carro ou um cargo, que então passa a ser perseguido. O problema é que, quando a nossa visão é sempre orientada para o futuro, nunca estamos satisfeitos, mesmo que esse futuro que desejamos chegue, pois nesse ponto já estaremos querendo outra coisa, numa busca sem fim.

A ambição pode, então, ser de fato um motivador para a ação, mas ela se baseia num olhar que foca apenas o que falta, tira nossa atenção do presente e não nos permite aproveitar aquilo que já temos. Se não paramos nunca para aproveitar aquilo que está presente hoje, tudo aquilo que conseguirmos com nossas atitudes não poderá nos fazer bem, e todo o nosso esforço será em vão. A ambição não faz sentido sem contentamento.

É bom desconfiarmos quando ouvimos que precisamos ser mais ambiciosos ou produtivos. Pois esse tipo de sugestão geralmente beneficia aqueles que ganham dinheiro através de nosso trabalho, não necessariamente nós mesmos. Agora, imagine se as pessoas passassem a se contentar mais com o que elas têm: talvez elas consumissem menos, talvez trabalhassem menos. Isso não seria “bom” para a economia. Mas certamente seria bom para as pessoas.

É importante, então, pensar em qual a direção das suas ambições. Elas são dirigidas para bens materiais ou status? Se forem, é porque provavelmente você acredita que essas coisas lhe trarão felicidade. Mas, então, talvez você possa direcionar sua ambição para simplesmente ser feliz. E aí, pode ser que você perceba que para ser feliz não precisa necessariamente disso tudo. Talvez você seja mais feliz simplesmente ajustando sua perspectiva, valorizando aquilo que você já tem, a sua vida como ela já é. Já pensou que surpresa seria descobrir que tudo aquilo que você precisa para ter uma vida boa está presente nela hoje, e não apenas num distante futuro ideal?

Refúgio no momento presente

Momentos de mindfulness possuem certos aspectos em comum, independentemente de onde o praticante se situa no continuum da prática. O momento em si de despertar, de mindfulness, é o mesmo experimentado tanto pelo meditante experiente como pelo iniciante praticando mindfulness no seu dia a dia.
Christopher Germer

Algumas vezes, nós temos problemas sérios. Realmente sérios. Outras vezes, acreditamos que problemas não tão sérios parecem piores do que realmente são. A diferença entre os dois tipos é que os primeiros geralmente demandam algum tipo de ação. Os outros podem se beneficiar de uma simples mudança de perspectiva.

Mas, independentemente da gravidade real dos nossos problemas, o sofrimento que eles causam reside na nossa mente. Sendo assim, temos diversas maneiras de encará-los. Existem duas coisas que podemos fazer para amenizar o nosso sofrimento.

Aceitação

A primeira coisa é aceitar as coisas como elas são. Isso não significa passividade ou resignação, mas simplesmente reconhecer que, em um determinado momento, o que é, é. O sofrimento ocorre quando não aceitamos algo de verdade, ou seja, quando não queremos que algo que é, seja. Quando não queremos sentir dor ou tristeza. Quando desejamos que algo que fizemos tivesse sido diferente. Se estivermos abertos a lidar com as coisas como elas são e a sentir o que quer que precisemos sentir em um determinado momento, boa parte do sofrimento se dissolve. E mais: nós não podemos realmente mudar a menos que aceitemos as coisas antes.

Refugiar-se no momento presente

A segunda coisa que podemos fazer é voltar sempre para o momento presente. Vamos fazer um exercício. Prepare uma xícara de chá ou de café. Encontre um lugar tranquilo, em que você possa relaxar por alguns minutos. Sente-se confortavelmente. Passe a prestar atenção nas suas sensações. Os sons (ou a ausência deles). A temperatura do ambiente. O sabor da bebida. O peso da xícara na sua mão e o das roupas no seu corpo. A luz, as cores e as formas daquilo que você está vendo. A sua respiração. O fluxo de pensamentos que surge em sua mente. Note tudo isso. Este é o momento presente, e é tudo que você tem. E ninguém, nenhum problema, poderá tirar isso de você. Perceba como, nesse breve período de tempo, apenas o que você está vivendo é real, enquanto todas as suas preocupações são projeções mentais. Seu sofrimento está ligado ao medo do futuro, a lembranças do passado. Mas, não importa o que aconteça, você sempre poderá sentar com a sua própria companhia e respirar. O momento presente é infinito, e você tem ele inteiro.

Depois disso, você pode voltar para suas atividades. Pode se engajar nas atitudes que julga necessárias para melhorar a sua vida e para solucionar suas preocupações. Mas não se esqueça desse refúgio. Ele está sempre à mão, a qualquer hora e em qualquer lugar. Sempre que quiser, você pode simplesmente voltar a ele, focando na sua respiração, nas sensações e no simples fato de se estar vivendo. Talvez um dia você perceba que toda sua vida pode estar dentro desse refúgio, e que na verdade a única coisa que de fato existe é o momento presente.