Se abrirmos os nossos corações, qualquer pessoa, até aquelas que nos deixam malucos, podem ser nossos mestres.
Pema Chödrön
A Terapia Comportamental Dialética (TCD), que é uma das novas modalidades de terapias cognitivo-comportamentais, tem declarada influência do budismo zen. Tanto a TCD como o budismo tem como base a mudança na forma de encarar e agir no mundo, buscando liberação dos nossos sofrimentos. Essa liberação passa pela aceitação das coisas como elas são, por uma maneira de se comportar que seja condizente com nossos valores e que não seja dominada por emoções destrutivas ou concepções enganosas da mente.
Portanto, seja na TCD ou no budismo, a mudança ocorre quando conseguimos colocar em prática aquilo que aprendemos. E a prática real não acontece no templo ou no consultório do terapeuta, mas sim na nossa vida cotidiana, onde encontramos nossos desafios reais. Para ressaltar a importância dessa concepção, ambos sugerem que encaremos toda e qualquer situação como oportunidades de prática. Incluindo — na verdade, especialmente — as situações que são mais difíceis para nós.
Nas crises
Raramente alguém procura uma terapia ou se engaja numa busca espiritual quando está bem. Nós procuramos ajuda quando estamos em meio ao sofrimento. O sofrimento pode ser a nossa grande motivação, desde que consigamos transformá-lo em mudança. Quando sofremos, temos a chance de olhar para o que, nas nossas concepções e atitudes, está sendo prejudicial para nós. Da mesma forma, podemos refletir sobre aquilo que fazemos para tentar nos livrar do sofrimento mas que apenas nos coloca mais fundo nele. Além disso, nas crises, temos menos a perder, o que nos torna mais corajosos e dispostos a mudar.
Quando somos injustiçados
Aproveitar as crises depende de focarmos a nossa motivação em nós mesmos. Se atribuirmos o nosso sofrimento somente ao outro, estaremos perdendo uma grande oportunidade de praticar. Mesmo que de fato o erro esteja no outro, ainda assim podemos usar esse momento para nosso aprimoramento, desenvolvendo a tolerância, a compaixão e o perdão.
É muito difícil não termos raiva ou ressentimento quando somos injustiçados, mas ainda assim seguir essas emoções é destrutivo, como o Buda aponta quando diz: “Persistir na raiva é como apanhar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém. É sempre quem levanta a pedra que se queima.”
Quando temos emoções intensas
Tanto o budismo como a TCD alertam para o risco de se agir em função das nossas emoções, especialmente as emoções destrutivas. Por isso, ambos ensinam técnicas sobre como conseguir lidar com essas emoções — já que não é possível eliminá-las — sem deixar que elas determinem o nosso comportamento. E justamente um dos aspectos dialéticos da TCD é conseguir separar o que sentimos daquilo que fazemos. Pois nossas emoções são momentâneas, passageiras e muitas vezes exageradas, enquanto nossas atitudes podem trazer consequências muito mais duradouras, tanto para os outros como para nós mesmos.
Muitas vezes as pessoas questionam esse ponto, dizendo que não agir em função das emoções significa ser falso ou não se respeitar. A minha concepção é justamente a oposta, pois o que acontece geralmente é que nossas emoções destrutivas nos levam a tomar atitudes — muitas vezes por impulso — que nos afastam daquilo que queremos para nossas vidas. Dessa forma, conseguir lidar com as emoções nos mantendo na maneira em que escolhemos viver é o real respeito e honestidade consigo mesmo.
Se estamos dispostos e animados com a nossa própria mudança e entendemos a importância da nossa prática, assumimos uma postura que pode parecer estranha à primeira vista: a de apreciar e valorizar as dificuldades. Pois sabemos que a prática mais benéfica ocorrerá justamente quando nos encontramos nas situações que nos causam dor e sofrimento. Um exemplo está na frase que introduz esse texto: até aquelas pessoas difíceis, maldosas ou inconvenientes podem ser recebidas com gratidão, pois só elas lhe permitirão desenvolver o melhor em você.
Verdade Rodrigo, a prática real não se dá no consultório, mas na vida… Não é fácil, mas é possível. Tentar encontrar em nossos problemas a parte que cabe a nós e não ao outro, nos auxilia a sair da posição de vítima do outro e nos proporciona a chance de sermos protagonistas da nossa própria história. Não dá pra evitar as frustrações e as injustiças porque elas fazem parte da vida. Mas se ficamos presos apenas no que o outro faz conosco não temos a oportunidade de ver aquilo que nós mesmos fazemos conosco. Essa parte sim, a parte que nos cabe é possível de ser modificada, a nosso favor. 🙂 Parabéns por mais este texto lindo!
Muito obrigado pelo comentário, Luciene 🙂