Procrastinando em paz

Uma fonte de sofrimento em um mundo que exige resultado, agilidade e bom desempenho é a sensação de que não estamos fazendo aquilo que deveríamos estar fazendo naquele momento. Se temos um prazo para cumprir, não fazer a tarefa que temos que entregar gera sentimento de culpa e a percepção de que, de alguma maneira, valemos menos. Aflitos pelo nosso próprio julgamento, é comum que entremos num embate com nós mesmos, em que tentamos nos tornar produtivos e responsáveis, lutando contra nossa inércia, preguiça e distração.

Vamos supor que eu precise preparar uma aula para, digamos, daqui a duas semanas. Penso que é um tempo razoável para realizar essa tarefa com calma, pouco a pouco. Mas duas semanas é muito tempo. A aula ainda está longe, e eu acabo indo ler um livro, assisto à TV, jogo videogame ou pior, só não faço nada. Quanto mais o tempo passa, menos tempo eu terei para preparar a minha aula, e gradativamente ficarei mais angustiado com a perspectiva de ter que fazer mais em menos tempo. Com isso, acabo não aproveitando as minhas “distrações”, pois a lembrança da atividade está sempre lá, no fundo da minha mente. Fica cada vez mais difícil começar, pois a relação entre tarefa e tempo está cada vez mais angustiante. Ou seja, quanto mais adio, mais aumento a probabilidade de continuar adiando. O sofrimento aumenta até que eu chego no ponto em que não há mais ou que fazer, quando não há mais como fugir. Faço, então, aquilo que tenho que fazer. Em cima da hora, com sofrimento e talvez com baixa qualidade.

Mas o que realmente acontece quando estamos procrastinando? Vamos começar partindo de dois pressupostos da análise do comportamento: primeiro, que funcionamos muito mais pelas consequências que obtemos com nosso comportamento a curto prazo; segundo, que aquilo que fazemos e continuamos fazendo serve para alguma coisa. Sempre será mais interessante fazer alguma atividade de lazer do que um trabalho. Só vamos fazer o trabalho quando não tem mais jeito, quando o prazo chegou ou alguém nos obriga. Essa é a nossa tendência natural, a menos que tenhamos sido treinados desde cedo a sermos ótimos seguidores de regras (o que também terá outras consequências negativas). Ou seja, o fato de procrastinarmos não significa que somos irresponsáveis, incompetentes, desleixados. Significa que somos humanos.

O outro ponto é que, na maior parte das vezes, mesmo procrastinando, dá tudo certo no final. Ainda que façamos as coisas na última hora, com sofrimento, fazemos. Entregamos o que temos que entregar. Quem está vendo o resultado não sabe o que passamos para completar a tarefa. E acabamos aprendendo que é possível fazer as coisas dessa forma e ainda ficar tudo bem. Dizemos a nós mesmos que da próxima vez vamos fazer diferente, mas a realidade é que é muito difícil mudar uma certa atitude se não temos consequências realmente negativas.

Então, quando alguém que atendo se queixa de procrastinação, costumo perguntar: “onde está o problema da procrastinação? Você entrega o que tem que entregar? Dá tudo certo? Então onde está o problema?”. Tudo bem, sei que sofremos para realizar as tarefas desse jeito. Mas o problema não está aí; se estivesse, já teríamos mudado. O problema está em pensarmos que poderíamos ter feito diferente. Está em criarmos uma versão imaginária de nós mesmos que não procrastina, que faz tudo com antecedência, que não deixa para a última hora. Aí comparamos o nosso eu real, atrasado, relapso, preguiçoso, com o “super” eu ideal e acabamos sofrendo.

Podemos, a partir daí, ir por dois caminhos. Um deles é tentar nos tornar esse “super eu” que nunca falha. Se essa for a escolha, existem muitos guias, livros e vídeos sobre como tentar vencer a procrastinação. Eu particularmente nunca me interessei por nenhum deles. Pois prefiro a outra alternativa: a de parar de criar idealizações e de brigar com uma realidade em que está tudo bem – inclusive eu mesmo. Se eu entendo isso, sei que na hora de agir eu agirei. E, enquanto não estiver agindo, aproveito o que quer que eu esteja vivendo no momento.

 

Foto: Kornél Máhl

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