Há algum tempo, fui assistir a um concerto. A orquestra tocaria numa igreja, logo após a missa. Muitas das pessoas que haviam ido para a celebração religiosa permaneceram para o espetáculo. Assim que os músicos iniciaram a peça, percebi que, ao contrário do que costuma acontecer num teatro, o público não ficou totalmente em silêncio. Era possível ouvir algumas vozes, crianças falando ou chorando, pessoas se movimentando. Isso fez com que surgisse em mim uma certa irritação. Como o barulho não parava, percebi que minha atenção estava direcionada muito mais para a plateia do que para a orquestra, que tocava conforme o esperado.
Percebi, então, como minha mente estava criando uma realidade ideal paralela, totalmente distinta do que realmente está acontecendo. Para a minha mente, apenas os sons da orquestra eram válidos naquele ambiente. Ela se frustrava pelas coisas não saírem como o esperado e culpava as outras pessoas por isso. Dei-me conta de que a música, na verdade, não era só aquela produzida pelos instrumentos, e sim todos os sons do ambiente. A música da vida incluía a da orquestra, da plateia, do vento, das árvores e de tudo o mais que existia naquele momento. Ao entender isso, passei a aceitá-la por completo e a ouvir como música todos os sons presentes. Instantaneamente, a irritação se dissolveu.
Essa situação lembrou-me de uma clássica história zen, contada aqui por Pema Chödrön:
Há uma história zen em que um homem está curtindo o anoitecer em um barco num rio. Ele vê outro barco chegando em sua direção. A princípio, parece tão bom que mais alguém também está apreciando o rio em uma noite de verão. Então ele percebe que o barco está vindo exatamente na sua direção, cada vez mais rápido. Ele começa a ficar perturbado e passa a gritar: “Ei, cuidado! Pelo amor de Deus, vire pro lado!”. Mas o barco apenas acelera mais, bem em sua direção. A essa altura ele está em pé no barco, gritando e balançando os punhos. E o barco estraçalha tudo bem em cima dele. Ele ainda consegue ver que era um barco vazio. Essa é uma história clássica sobre a situação de nossa vida inteira.
Para mim, essa história é ainda mais significativa quando percebemos que os barcos que vêm em nossa direção estão sempre vazios.
Foto: Vision Chen