O que a ansiedade não é

Falamos muito sobre a ansiedade. Todos nós nos consideramos ansiosos, alguns de nós num ponto em que o sofrimento associado a ela é quase insuportável. Encaramos a ansiedade como um estado anormal, um problema a ser resolvido, partindo do pressuposto que é possível viver uma vida em que sensações negativas, como a ansiedade e o medo, não existam. É possível que a atitude que temos em relação ao “problema” da ansiedade apenas torne as coisas mais difíceis para nós. Vamos dar uma olhada em como isso acontece, listando três concepções alternativas sobre como geralmente enxergamos a ansiedade.

A ansiedade não é uma coisa

Como acreditamos que a ansiedade é uma sensação autônoma, ficamos tentando descobrir o jeito de eliminá-la, o que só nos deixa mais ansiosos.

Uma das perspectivas que nos atrapalha é acreditar que a ansiedade é uma espécie de entidade que existe por conta própria, que aparece do nada. A ansiedade, na verdade, é o nome que damos para uma sensação que está presente quando tememos o futuro e, especialmente, quando tentamos controlá-lo. Se queremos aprender a viver bem, é importante tentarmos entender a relação entre aquilo que sentimos e o que fazemos, bem como a visão que temos da nossa vida e das situações. Sendo assim, a ansiedade é uma boa oportunidade de autoanálise, com perguntas como: “do que estou com medo?”; “o que estou tentando controlar?”; “o que estou com dificuldade de aceitar?”.

A ansiedade não é anormal

Como acreditamos que a ansiedade é anormal, temos dificuldade em aceitar sua existência, o que acaba nos colocando numa espiral de ainda mais ansiedade.

Outro pressuposto contraproducente em relação à ansiedade é considerar que ela é um estado anormal. Acreditamos que existe um estado psicológico normal, em que não há ansiedade, tristeza, medo ou qualquer outra sensação negativa. E aí, quando não estamos nesse estado, acreditamos que há algo de errado conosco, que precisa ser consertado. Essa perspectiva tem muito a ver com a visão de que os problemas psicológicos negativos que temos são doenças e precisam ser curados, que é bastante questionável. Não quero dizer que eles não causem sofrimento e mereçam ser cuidados, mas podemos entender o medo, a ansiedade e a tristeza como processos psicológicos normais e naturais, que são destrutivos apenas quando acontecem em grande intensidade e desassociados de situações em que eles fazem sentido. Por exemplo, se você passa por uma grande perda, é natural que sinta tristeza, abatimento e desânimo. Isso não é anormal — anormal seria se você não sentisse nada disso!

A ansiedade não é um problema a ser resolvido

Como acreditamos que a ansiedade é um problema a ser resolvido, gastamos uma grande quantidade de energia tentando controlá-la, o que apenas piora a situação.

Não é gostoso sentir ansiedade, apreensão, medo. Como ela nos causa desconforto, procuramos maneiras de nos livrar dela, o que faz todo sentido. Só que, muitas vezes, aquilo que fazemos na tentativa de resolver a ansiedade acaba tendo o efeito contrário. Por exemplo, se eu uso uma bebida alcoólica para relaxar, o seu efeito funciona apenas por algum tempo. Depois disso, a ansiedade voltará, e provavelmente com mais intensidade, requerendo que eu faça algo a mais para tentar resolvê-la — o que no caso seria beber mais. As estratégias que geralmente usamos para controlar a ansiedade funcionam apenas a curto prazo e aprofundam o nosso sofrimento a longo prazo.

Encarando a ansiedade de outra forma

Ao enxergar a ansiedade como algo autônomo, anormal e que precisa ser eliminado, nós na verdade aumentamos a sua intensidade e passamos a viver mais e mais em função dela. Muitas pessoas que eu atendo no consultório queixam-se da ansiedade, pedindo ajuda para se livrarem dela. Eu entendo o sofrimento que a ansiedade causa e entendo a vontade de fazer com que ela simplesmente desapareça — e, se pudesse, eu ajudaria a fazer com que isso acontecesse, mas não posso. O que me leva a ter que fazer perguntas difíceis para quem eu atendo, como:
“Você se dispõe a olhar para o que a sua ansiedade diz sobre você e sua forma de viver?”
“Você se dispõe a abrir mão do controle que alimenta sua ansiedade?”
“Você se dispõe a entender que a ansiedade faz parte de ser humano e que não se pode eliminá-la totalmente, e sim aprender a conviver com ela?”
Não é fácil mudar, abrir mão e aprender a conviver com aquilo que não queremos sentir. Mas, paradoxalmente, quando escolhemos aceitar as nossas sensações, as nossas reações e a abrir mão do excesso de controle que tentamos ter — sobretudo sobre nós mesmos — passa a ser possível viver de uma forma melhor, que é justamente o que queremos, mas que na verdade sabotamos, quando tentamos controlar o que sentimos.

Reaprender a viver

As memórias não são a chave para o passado, e sim, para o futuro.
Corrie ten Boom

Quando se procura uma psicoterapia, nós geralmente estamos motivados por algum tipo de dificuldade que queremos resolver ou, pelo menos, entender. Essas dificuldades podem ter os mais variados aspectos, e costumam causar sofrimento porque ocorrem no momento atual da vida da pessoa. Entretanto, em alguns casos, descobre-se, durante a terapia, que as dificuldades atuais têm relação com aspectos anteriores da história de quem procura atendimento.

Por exemplo, é possível que uma pessoa que hoje é emocionalmente instável ou impulsiva tenha tido pais muito severos ou sofrido algum tipo de abuso — físico, psicológico ou sexual — durante a infância ou adolescência. Nem sempre as pessoas têm clareza desses episódios ou, mesmo quando têm, podem não estabelecer a relação com a situação que passaram lá atrás e a forma como elas agem hoje. Dessa forma, é possível que elas se considerem simplesmente “problemáticas” sem entender bem o porquê.

Uma criança que foi muito maltratada por pais e familiares pode não ter aprendido a lidar com suas emoções, especialmente porque os pais podem não ter tido o hábito de reconhecer e validar o que a criança sentia. Quando isso acontece durante muito tempo e num nível intenso, é comum que na idade adulta a pessoa não consiga controlar a sua raiva ou seus impulsos, o que torna dificil estabelecer e manter relações interpessoais. Isso é muito comum num quadro que se dá o nome de Transtorno de Personalidade Borderline.

Um ponto muito importante da terapia, então, é falar sobre essas experiências traumáticas. Para a pessoa que está nessa situação, entender que ela não é errada, que ela não sente tudo o que sente porque quer e que é possível se compreender de uma maneira mais ampla, é extremamente terapêutico. No entanto, ao contrário do que se pode pensar, apenas falar sobre o assunto não basta. Falar sobre o assunto e se compreender não é o fim do processo: é o início.

A compreensão que adquirimos sobre nós mesmos ao entender a nossa história não faz com que mudemos automaticamente a nossa forma de agir. Ela é apenas o primeiro passo de uma mudança mais profunda, que ocorre de fato no dia a dia, na experiência. Quando nos entendemos, abrimos caminho para o processo mais longo e que significa a real mudança, que é reaprender a viver. Isso significa experimentar novas atitudes, novas percepções do mundo, novas formas de interpretar aquilo que acontece conosco. Se não aproveitamos essa chance, transformamos a compreensão que acabamos de ter em uma desculpa pelas nossas atitudes — “sou assim porque meus pais me maltratavam” — o que na verdade impede a mudança, em vez de a estimular. Ficamos presos ao passado, em vez de aproveitá-lo para transformar o nosso presente.

Quando passamos a compreender a relação da nossa história e de tudo que já passamos com o que somos hoje, temos um alívio por saber que muito daquilo que somos não é a nossa escolha, e sim o melhor que pudemos fazer a partir de um certo contexto, que pode ter sido muito negativo. Por outro lado, no momento em que temos essa consciência, passamos a ser mais responsáveis por aquilo que fazemos a partir de agora. Se entendemos como o passado nos influencia no presente, temos uma oportunidade de construir um caminho novo, mais pessoal e autêntico. E é esse o verdadeiro trabalho de quem está na terapia. Falar não basta. Aquilo que se diz no consultório é apenas um ponto de partida. A terapia se concretiza mesmo na vida real, no dia a dia, quando estamos cara a cara com as nossas dificuldades.

Metas, objetivos e mudanças

Enquanto você estiver tentando ser mais magra, mais inteligente, mais iluminada, menos tensa ou o que quer que seja, de alguma forma você está abordando seus problemas com a mesma lógica que os criou: você não é boa o suficiente. É por isso que o padrão habitual nunca se resolve quando você está tentando melhorar, porque você segue lidando com as coisas exatamente da mesma forma que fez com que a dor começasse.
Pema Chödrön

Muitos dos problemas que temos com nós mesmos — ansiedade, estresse, frustração — estão ligados com a forma pela qual nos encaramos e encaramos a nossa vida. Nosso padrão ocidental de pensamento é muito apoiado na falta e na idealização. Esse padrão é bastante visível quando condicionamos mudanças a metas e objetivos.

Acreditamos que, para mudar, precisamos saber precisamente onde queremos chegar. Isso significa que criamos uma versão idealizada de nós mesmos. Esse nosso eu melhorado pode ter um corpo diferente, mais dinheiro, mais sucesso profissional, um relacionamento perfeito. Se você parar um pouco pra pensar, verá que provavelmente tem essa sua versão ideal já construída.

Passamos, então, a nos comparar o tempo todo com esse eu ideal. Como não estamos ainda nesse patamar que imaginamos, nos sentimos mal com o que somos atualmente: tristeza e baixa autoestima. Mas acreditamos que existe um método para chegar nesse ponto idealizado: metas e objetivos. Construímos esse método e nos colocamos a perseguir esse paraíso pessoal. Ou seja, decretamos que somos ruins e focamos nossa vida na tentativa de suprir uma falta, esse espaço que separa o que somos hoje daquilo que achamos que deveríamos ser. Não é à toa que nos sentimos frustrados, ansiosos e estressados: estamos o tempo todo nos comparando com uma perfeição imaginária. Cruel, não?

Mas acreditamos tanto nesse modelo que nos sentimos mal quando, por acaso, não temos esse eu ideal imaginado. Algumas pessoas que já atendi tinham justamente essa queixa: “não sei o que quero da vida”. Procuramos avidamente esse ideal que teremos como norte, ainda que ele nos condene à insatisfação perpétua.

Você pode argumentar que os objetivos são necessários; que não podemos chegar a lugar algum sem ter um objetivo; e que se não tivermos objetivos, nos tornaremos preguiçosos ou ociosos. Eu diria, em resposta, que nós podemos ser tão ou até mais capazes e criativos sem objetivos. Por exemplo, vamos supor que eu goste de poesia, e que ela esteja no centro dos meus interesses. Posso encarar esse interesse através de uma mentalidade focada em objetivos: penso que quero ter um livro publicado, escrever 100 poemas em um ano, ser convidado para uma sociedade de poetas. É possível que esse foco me leve a conseguir tudo isso. Mas, até que eu consiga (e caso eu consiga), enquanto não tiver chegado lá, estarei insatisfeito e estressado, pois estarei correndo atrás daquilo que acredito que me falta. Pois esse modelo só permite dois desfechos: ou eu consigo ou não consigo. E, quando não conseguir, mesmo que seja por pouco, vou me sentir mal e frustrado. Mesmo que atinja meus objetivos, terei esquecido do sentido da poesia na minha vida; ela se tornou um aspecto secundário frente ao cumprimento das minhas metas pessoais. E ainda é possível que eu não tenha nenhuma satisfação duradoura mesmo ao atingir as metas, pois, como minha mente está sempre funcionando na perspectiva da falta, pode ser que eu imediatamente crie novas metas ao cumprir as antigas.

Por outro lado, posso não estabelecer metas e simplesmente fazer o que gosto: escrever poesias. Como é algo que me interessa, farei isso naturalmente. Escreverei quando estiver inspirado, no ritmo em que eu quiser. Cada poema que escrevo não é um passo para lidar com uma falta, é um degrau construído além do que já sou hoje. Já estou satisfeito com o que sou, e fico ainda mais satisfeito com meu novo poema. Eventualmente, os resultados podem aparecer: posso ser convidado a publicar um livro, a apresentar meus poemas num recital etc. Como não estou no modelo mental fechado, em que as metas são ou não atingidas, estou aberto ao que vier. Vivo pelo processo e percebo que os resultados são uma consequência natural. Minha vida se torna aberta, flexível e positiva.

O fato é que nossa perspectiva ocidental faz com que tenhamos muito medo de deixar as coisas mais soltas — e isso inclui nós mesmos. Temos medo de nos perder nesse processo, de perder nossa identidade. Temos receio de que vamos derreter como uma ameba se não nos colocarmos num padrão de cobrança e insatisfação. É como se criássemos uma jaula mental e nos colocássemos dentro dela, pois ela nos dá uma ilusão de segurança. Nos prendemos voluntariamente, pois pelo menos sabemos onde estamos. A jaula, no entanto, não tem tranca, a única tranca é a que nós mesmos criamos. É possível sair a qualquer hora e explorar o que há por aí. Para isso, o único custo é enfrentar o medo de se perder.