Resultados da psicoterapia

Os resultados e a efetividade da psicoterapia estão entre as principais questões de quem procura um psicólogo para trabalhar problemas emocionais e comportamentais. É comum ouvir questões como:

“Terapia funciona?”
“Como a terapia pode me ajudar?”
“Como saber se a terapia está funcionando?”

A resposta mais simples e geral para se a psicoterapia funciona é que sim. Existem centenas de estudos e revisões de estudos mostrando a décadas a sua efetividade. Entretanto, precisamos lembrar que existem muitas formas de psicoterapia e existem muitas dificuldades que levam as pessoas a procurar terapia. Então, saber que no geral as terapias funcionam não responde a pergunta mais básica que as pessoas se colocam, que é “a terapia pode me ajudar?”.

Para responder essa pergunta específica, vamos lembrar que existem diversas abordagens, ou métodos de trabalho, na terapia. Algumas são mais orientadas para um resultado, outras menos. Algumas são mais focadas no trabalho que é feito na sessão, dentro do consultório, pois partem do pressuposto que conversar sobre o problema e percebê-lo de formas diferentes podem gerar mudanças. Outras são mais diretivas e buscam a mudança através da forma de atuar no mundo “real”, no dia a dia da pessoa atendida.

O que é mais importante, para que haja resultado, é que você se identifique com a forma de trabalho do seu psicólogo. Tanto que a relação terapêutica é o que mais influencia o resultado da terapia¹, mais até do que a forma como o psicólogo trabalha.

Portanto, é importante que você converse com seu terapeuta sobre como ele encara a questão dos objetivos da terapia. Veja se vocês concordam em relação a quais são os objetivos, como medi-los e como fazer para que eles sejam atingidos. Se houver concordância em relação à forma de trabalhar, maiores chances de um bom resultado.

Mas fica a questão: como medir esses objetivos, como saber se você está chegando mais perto deles ou não? Alguns profissionais deixarão essa pergunta a ser respondida pela pessoa que está sendo atendida. Outros poderão recorrer a testes e questionários para acompanhar o progresso.

No meu caso, no início da terapia, eu e a pessoa que estou atendendo estabelecemos as áreas que serão o foco do trabalho, bem como os objetivos em relação à aquela área. Entretanto, os objetivos não são ligados à fatores externos (como, por exemplo: “quero ter o cargo x no meu trabalho”), e sim ao que está no controle dela, ou seja, como ela quer conseguir agir dentro de determinada situação (como: “quero atuar de tal maneira no meu trabalho”). Geralmente isso envolve fazer coisas diferentes e que são difíceis para a pessoa. Essas mudanças necessárias podem gerar sofrimento — e por isso “se sentir bem” não é necessariamente uma boa medida de se a terapia está funcionando ou não. Uma pessoa pode estar se sentindo bem por estar acomodada e confortável nos hábitos que a afastam de tudo que ela deseja para si mesma a longo prazo.

Dessa forma, a medida de melhora para mim é o quanto a pessoa está conseguindo mudar na direção estabelecida por ela mesma, fazendo coisas mais difíceis, tolerando e enfrentando os obstáculos, se tornando mais flexível e se aproximando de uma vida ligada aos seus valores. Se fosse resumir isso em apenas uma pergunta que a pessoa poderia se fazer, seria: “o quanto estou conseguindo viver a vida que escolhi viver?”

Referência
1. Relation between working alliance and outcome in psychotherapy: A meta-analysis. Horvath, Adam O.; Symonds, B. Dianne. Journal of Counseling Psychology, Vol 38(2), Apr 1991, 139-149. doi: 10.1037/0022-0167.38.2.139

A história do fazendeiro chinês

A forma como encaramos o nosso passado pode ser um fardo para a vida atual. Isso acontece especialmente quando damos valor demais àquilo que acreditamos terem sido escolhas erradas, oportunidades perdidas ou decisões equivocadas. Nossa tendência é imaginar que, se tivéssemos feito as escolhas “certas”, hoje estaríamos vivendo uma vida feliz, e se não estamos, é porque não soubemos agir corretamente, como se o curso das nossas vidas dependesse totalmente de nós mesmos.

Esse tipo de pensamento acaba nos deprimindo. Pois é impossível ganhar quando comparamos a realidade com uma idealização imaginária. A comparação, por si só, provavelmente nos faz mal, mas quando não conseguimos aceitar nossa história e a enxergamos como um acumulado de erros, nos sentimos ainda piores. Além disso, quando ficamos presos no passado dessa forma, acreditamos que nosso tempo já passou, que não temos mais jeito, que não há mais nada a ser feito hoje. Consequentemente, ficamos paralisados e não conseguimos mudar no presente, nos condenando a uma vida lamentando por aquilo que acreditamos que poderia ter sido.

Encarar o passado dessa forma é mais do que contraproducente, é também simplesmente irreal. Essa vida ideal que imaginamos caso tivéssemos feito as coisas “certas” não existe, pois não temos como saber o que teria sido. Cada decisão que tomamos é somente uma variável numa teia incrivelmente complexa de possibilidades, e é impossível saber quais as reais consequências de cada atitude no curso de nossa vida. Para ilustrar isso, podemos lembrar uma história folclórica:

Era uma vez um fazendeiro chinês. Um dia, um de seus cavalos fugiu. Seus vizinhos vieram até ele, comentando como aquele acontecimento era um infortúnio. O fazendeiro respondeu: “pode ser”.

No dia seguinte, o cavalo que fugiu voltou, trazendo com ele sete cavalos selvagens. Os vizinhos apareceram novamente, dizendo que isso era uma grande sorte. O fazendeiro respondeu: “pode ser”.

Depois disso, o filho do fazendeiro tentou domar um dos cavalos selvagens e caiu, quebrando uma perna. Os vizinhos vieram lamentar o ocorrido, dizendo que aquilo era muito ruim. O fazendeiro respondeu: “pode ser”.

No dia seguinte, oficiais do exército que estava recrutando soldados apareceram, mas não levaram o filho do fazendeiro por conta da sua perna quebrada. Os vizinhos vieram ao fazendeiro falando sobre como aquilo era ótimo, e ele respondeu: “pode ser”.

Essa história nos faz perceber que não podemos classificar os acontecimentos como bons ou ruins, simplesmente porque não sabemos os desdobramentos de cada situação. Por mais angustiante que possa parecer, o fato é que não temos controle sobre o que irá acontecer conosco e nem mesmo sobre o resultado das nossas ações, especialmente a longo prazo. Não faz sentido, então, comparar nossa história com uma outra história ideal, pois esta simplesmente não existe.

Nos resta apenas entender que nossa história é única e aquilo que chamamos de “erro” é apenas uma avaliação muito rasa das nossas atitudes passadas. Podemos, em vez disso, ser humildes o suficiente para entender que não estamos no comando do universo e escolher valores que guiem nossas ações em vez de voltá-las para resultados que não dependem apenas de nós.

Como tentar se sentir bem pode fazer você infeliz

A felicidade autêntica não está ligada a uma atividade; é um estado de ser, um equilíbrio emocional profundo atingido por uma compreensão sutil de como a mente funciona. Enquanto os prazeres ordinários são produzidos pelo contato com objetos prazerosos e terminam quando esse contato é interrompido, o bem estar duradouro é sentido enquanto permanecermos em harmonia com nossa natureza interior.
Matthieu Ricard

Se existe algo em comum a todos os seres humanos é o desejo de ser feliz. Essa aspiração pela felicidade é algo que nos une independentemente de nacionalidade, cor, crença ou classe social. Nós agimos em função desse desejo o tempo todo. Tentamos constantemente fazer aquilo que acreditamos que nos trará a felicidade. Ainda assim, parece que são poucas as pessoas realmente felizes. Isso soa estranho. Se temos esse objetivo tão claro, se fazemos tanto em prol da nossa felicidade, por que será que não conseguimos chegar lá?

Penso que existem dois aspectos do nosso funcionamento psicológico que nos atrapalham. O primeiro, bem conhecido na psicologia comportamental e bastante trabalhado na Terapia de Aceitação e Compromisso, é o fato  de que aquilo que conseguimos a curto prazo exerce muito mais influência sobre nossas ações do que o que conseguimos a longo prazo.

Imagine que você se proponha a passar a comer de forma saudável. Se você conseguir fazer isso, você perderá peso, terá mais disposição e menos doenças. Mas tudo isso são vantagens que levam um certo tempo para serem obtidas. Agora, imagine que você, com esse propósito de comer de forma saudável, está com fome e tem um hamburguer caprichado na sua frente (ou, se você não gosta de hamburguer, a sua comida não saudável predileta). É difícil resistir, não é? Pois você pode ter, naquele momento, um grande prazer com o hamburger. E tudo aquilo que você poderia ganhar por se manter na dieta está dias, semanas ou meses lá na frente. É uma competição muito desigual.

O segundo aspecto que nos afasta da felicidade é uma concepção contraproducente em relação ao que é ser feliz. Nós acreditamos que ser feliz é nos sentirmos bem 100% do tempo, numa vida em que só existem prazeres e alegrias. Por conta disso, perseguimos aquilo que nos faz sentir bem acreditando que estamos perseguindo a felicidade. Mas basta olharmos de perto para perceber que muitas das coisas que buscamos para nos sentirmos bem na verdade nos prejudica, pois o bem estar que elas nos proporcionam não dura, e no longo prazo as suas consequências negativas vêm cobrar a conta.

Vamos voltar na história do hamburguer. Podemos ter prazer quando o comemos, mas teremos consequências na nossa saúde. Imagine, então, uma pessoa que abusa de substâncias como álcool ou outras drogas. Ela se sente bem por um momento, mas as consequências a longo prazo prejudicam o seu bem estar — o que leva as pessoas a consumirem mais para eliminar o mal estar provocado pelo uso anterior, e aí entra-se num ciclo que se autoalimenta chamado vício.

Suponha que uma pessoa faça coisas que não tem vontade, ou fale coisas que não pensa, para não contrariar o grupo em que está. Ela está buscando se sentir bem ao ser aceita e apreciada, mas manter esse papel acaba sendo, no fim das contas, mais pesado e desgastante do que falar “não” logo de início. Alguém que está se sentindo só pode buscar em encontros e sexo casual um alento para aquele momento, mas ao mesmo tempo isso pode dificultar o estabelecimento da relação mais duradoura que ela gostaria de ter.

Esses exemplos são especialmente verdadeiros se essas atitudes que citei se tornarem hábitos. Entretanto, não se trata de moralismo. Não estou dizendo que essas coisas são más por si só. O que é importante é entender qual a função desses hábitos na sua vida e avaliar se não é justamente a tentativa de se sentir bem que está fazendo com que você se afaste da sua felicidade. Não há nenhum problema em perseguir bons momentos se eles não comprometem a sua verdadeira felicidade e se eles não se tornam uma obsessão. Essa é a avaliação que você pode fazer consigo.

Entender bem o nosso funcionamento permite que consigamos viver de outra forma. Se compreendemos que a felicidade não significa prazer constante, podemos abrir mão das gratificações imediatas em função de viver a vida que queremos. Fica mais fácil abrir mão de um prazer momentâneo se percebemos que ele pode custar o nosso bem estar real e duradouro. Esses são passos simples de serem descritos, mas bastante difíceis de serem colocados em prática, pois requerem que nos questionemos constantemente, tenhamos disciplina e autocontrole. É uma prática para toda a vida, na verdade. Mas, se é sempre em função da felicidade que agimos, que dediquemos nossa vida então à busca de felicidade real, ou teremos gastado todo nosso tempo perdidos em prazeres momentâneos que apenas nos distraem de uma vida infeliz.