Psicologia Positiva

Em seu livro “Felicidade Autêntica”, o psicólogo americano Martin E. P. Seligman faz críticas severas às escolas tradicionais de psicologia, argumentando que o seu foco foi exclusivo nos problemas do ser humano, sendo elas incapazes de entender ou estimular as pessoas nos seus aspectos positivos, como virtudes e forças. Seligman acredita que isso ocorre por conta de uma questão cultural — a visão de que o ser humano é mau por natureza — e que permeou a psicologia desde o seu início:

Freud trouxe essa doutrina para a psicologia do século XX, definindo os aspectos da civilização (inclusive moralidade, ciência, religião e progresso tecnológico) como uma defesa elaborada contra conflitos básicos ligados à agressão e à sexualidade infantil. Nós “reprimimos” esses conflitos por causa da insuportável ansiedade que causam; essa ansiedade, então, se transforma na energia que gera a civilização. (…) A filosofia de Freud, por mais estranha que possa parecer quando colocada em palavras tão cruas, ainda faz parte da prática psiquiátrica e psicológica atual, em que os pacientes exploram o passado em busca de acontecimentos e impulsos negativos que tenham contribuído para formar sua identidade. Com base nessa convicção, a competitividade de Bill Gates seria realmente o desejo de superar o pai, e a oposição da princesa Diana às minas terrestres, simplesmente o resultado da sublimação de seu ódio desmedido pelo príncipe Charles e outros membros da realeza. (…) Entre tantos exemplos, um deles pode ser encontrado no livro No Ordinary Time, sobre a interessante história do casal Franklin e Eleanor Roosevelt escrita por Doris Kearns Goodwin, uma grande cientista política. Analisando a dedicação de Eleanor aos negros, pobres e deficientes, Goodwin conclui que foi “para compensar o narcisismo da mãe e o alcoolismo do pai”. Em momento algum Goodwin considera a possibilidade que, no fundo, Eleanor Roosevelt fosse movida pela bondade. (…) Nunca é demais repetir: apesar da larga aceitação do dogma da maldade inerente do homem no mundo religioso e secular, não existe o menor indício de que força e virtude tenham motivação negativa

Seligman estabelece um ótimo ponto. O raciocínio clínico de desenvolvemos na graduação em psicologia, a partir das escolas tradicionais, é sempre voltado para o negativo, para a falta, para a compensação. A sensação que temos é que não há saída: o que é ruim, é ruim; o que é bom, é um ruim disfarçado. Desse modo, qualquer atitude sempre se voltará contra a pessoa numa análise psicológica tradicional.

Como alternativa, Seligman propõe um modelo de psicologia positiva, baseado em três pilares:

  1. Estudo da emoção positiva
  2. Estudo dos traços de personalidade positivos, como forças, virtudes e habilidades
  3. Estudo das instituições positivas, ou aquelas que promovem aspectos positivos no ser humano, como democracia, família e liberdade

A proposta de Seligman é que a psicologia seja mais do que uma forma de curar males emocionais; seja uma ciência que ajude a promover a felicidade e o bem estar. Nessa concepção, nossas atitudes positivas podem ser vistas como um aspecto natural a ser desenvolvido, e não como uma compensação alimentada pelas nossas frustrações ou angústias.

Essa visão mais positiva do ser humano também indica que algumas percepções que temos sobre a felicidade podem estar enganadas. Acreditamos, na nossa sociedade, que a felicidade e o bem estar estão ligados à conquistas materiais, de status e dinheiro, fazendo com que nos tornemos altamente individualistas e rejeitando valores como generosidade, compaixão e bondade como “tolos”. Entretanto, a própria ciência já mostra que são justamente esses últimos os que geram bem estar, e não os valores individualistas que prometem felicidade.

Um estudo da University of British Columbia, no Canadá, mostra que o dinheiro traz felicidade apenas até um certo ponto — a quantidade que nos permite suprir as necessidades básicas com tranquilidade. Ainda assim, as pessoas acreditam que mais dinheiro sempre significará mais felicidade, e talvez por isso não tenham limites na sua busca por mais ganhos². Já uma pesquisa feita com crianças na Califórnia mostrou que aquelas que realizaram atos de bondade tinham mais bem estar do que as que não os realizaram³. E um outro estudo canadense publicado na revista Science mostrou que gastar dinheiro com outras pessoas trazia mais felicidade do que gastar consigo mesmo⁴.

Esses estudos evidenciam que a psicologia positiva e suas propostas têm um lugar importante. Nós, psicólogos, não podemos ter um olhar apenas negativo e uma atitude que visa apenas “consertar” o que está “errado” nas pessoas, mas enxergá-las de uma maneira mais ampla, ajudando-as não só a resolver seus problemas, mas a atingir o potencial que elas desejam em suas vidas. Ter uma vida plena e feliz não pode ser visto como um sonho distante; é uma realidade possível, para qualquer pessoa, independentemente da sua história e das dificuldades passadas. Entretanto, para que isso seja possível, é preciso olhar e valorizar o que é bom, positivo e benéfico para si e para os outros, pois é com esse material que construímos a felicidade.

Referências

  1. Seligman, E. M. (2004). Felicidade autêntica. São Paulo: Objetiva.
  2. Aknin, L. B., Norton, M. I., & Dunn, E. W.(2009). From wealth to well-being? Money matters, but less than people think. The Journal of Positive Psychology, 4 (6), 523 — 527.
  3. Layous K, Nelson SK, Oberle E, Schonert-Reichl KA, Lyubomirsky S (2012) Kindness Counts: Prompting Prosocial Behavior in Preadolescents Boosts Peer Acceptance and Well-Being. PLoS ONE 7 (12): e51380. doi:10.1371/journal.pone.0051380
  4. Dunn, E. W., Aknin, L. B., & Norton, M. I. (2008). Spending money on others promotes happiness. Science, 319 (21), 1687-1688.

Negativismo e insatisfação

Se me fosse solicitado o conselho mais importante que eu pudesse dar, aquele que eu considerasse o mais importante para as pessoas do nosso século, eu simplesmente diria: em nome de Deus, pare um momento, interrompa seu trabalho, olhe à sua volta.
Liev Tolstói

Nós temos, ao menos na nossa cultura, uma grande tendência a focar no negativo. Somos uma geração de insatisfeitos. Gostamos de reclamar do governo, falar mal do colega de trabalho, praguejar contra o trânsito. E fazemos isso também com nós mesmos: nos martirizamos em relação às oportunidades perdidas, aos erros que cometemos, às nossas limitações. Isso parece muito evidente na geração que hoje está em torno da meia idade, que parece ter tido uma criação em que os elogios e o reconhecimento eram escassos, fazendo com que as pessoas nunca se sentissem boas o suficiente. Por outro lado, essa geração, que hoje está criando seus filhos, parece querer compensar essa falta de valorização sendo excessivamente protetora. Com isso, as crianças e adolescentes são menos tolerantes a lidar com as dificuldades. Querem o mundo do seu jeito — o que é impossível — e consequentemente também são insatisfeitos.

Isso se expressa especialmente no nosso olhar. Olhamos, o tempo todo, para aquilo que falta. Pensamos apenas em como as coisas poderiam ser. Em como as pessoas deveriam agir. Criamos constantemente um cenário ideal e ficamos comparando a realidade com essa fantasia. Como a realidade não alcança a fantasia, ficamos focados o tempo todo nessa lacuna, olhando para aquilo que falta, aquilo que poderia ser, mas não é. E isso nos causa um enorme sofrimento, pois, por conta disso, temos dificuldade em lidar com o mundo e especialmente com nós mesmos do jeito que as coisas são. Como penso o tempo todo naquilo que eu deveria ser mas não sou, sofro.

Somos levados a acreditar que olhar para a falta nos impulsiona na direção da melhora. Acreditamos que se nos contentarmos com a vida como ela é, não conseguiremos fazer mais nada. Entretanto, não é isso que vejo. Vejo que ficamos tão sobrecarregados por aquilo que acreditamos que falta que mal conseguimos nos mexer. Ou, o mais comum, tentamos apenas nos livrar dos incômodos sem conseguir mudar realmente nossas vidas. Podemos ficar presos num desejo constante por mais, sendo levados ao consumismo e ao egoísmo que ameaçam o nosso planeta e a nossa vida em comunidade. Nossa insatisfação não nos transformou em pessoas conscientes e abertas a mudanças, mas sim em consumidores vorazes e — pasme — cada vez mais insatisfeitos.

Por que não conseguimos suprir essa falta, tapar esse buraco? Porque não se consegue isso através do externo. Não se consegue isso comprando um novo eletrônico, tendo um aumento de salário ou entrando num novo relacionamento. Se não temos o hábito de olhar para o que temos, não importa o que consigamos, sempre vamos estar insatisfeitos. É uma questão de como nos percebemos e como percebemos o mundo, e não do quando tiramos dele. Se não temos a habilidade de olhar e valorizar o que temos, nada será suficiente, nunca.

E como podemos cultivar o contentamento? Passe a olhar para aquilo que já é, aquilo que você já tem, em vez de focar no que falta. Olhe em volta, olhando para o que está lá, não para o que não está. Pense em tudo que você pode ter com o dinheiro que ganha, não no que poderia ter se ganhasse mais. Seja um turista na sua própria cidade: tente imaginar o que chamaria a atenção de alguém que não conhece aquele lugar. Olhe para as pessoas significativas da sua vida como se você estivesse as encontrando pela primeira vez. Ao sentir o impulso de comprar algo novo, olhe para o que você já tem como se tivesse acabado de comprar. Esqueça o que aquele celular novo faria; pergunte-se o que o seu atual faz.

Desse forma, podemos sair dessa busca por um ideal inatingível que apenas nos deprime. A partir do contentamento, temos serenidade e alegria para viver o presente e olhar para novos horizontes não com a perspectiva de suprir uma falta, mas de criar algo em nossas vidas. Ao passar a aceitar e valorizar mais o que você é, o que você já tem e como sua vida é hoje, você não vai mais precisar fugir o tempo todo. E aí, paradoxalmente, você poderá realmente mudar.

Como você alimenta sua mente?

Nós temos consciência de que aquilo que comemos ou bebemos influencia nossa saúde e nosso bem estar. Sabemos que se ingerirmos uma refeição pesada à noite, podemos dormir mal. Que se bebermos álcool em excesso, ficaremos embriagados. Se consumirmos doces além do ideal, ganharemos peso. Por outro lado, temos conhecimento de que ao nos alimentarmos com vegetais, frutas, proteínas e carboidratos em equilíbrio, nosso corpo e nossa qualidade de vida será maior. Nem sempre conseguimos fazer isso, mas ao menos sabemos das relações entre causa e efeito na nossa alimentação.

Esta, entretanto, não é uma reflexão sobre comida. Na verdade, fiz essa introdução para que você parasse para pensar nas outras coisas que consome. Coisas que, ao contrário da comida, não percebemos tão claramente os efeitos que podem ter no nosso humor, no nosso bem estar e até na nossa saúde de uma forma geral. Por exemplo: que tipo de programa de TV você assiste? Que revistas você lê? A que quantidade de propagandas você se expõe? Por quais livros você se interessa? Quais filmes você escolhe assistir? Quanto tempo você gasta em redes sociais?

Todas essas coisas podem ser enxergadas como alimentos. Só que, em vez de nutrirem o nosso corpo, elas nutrem nossos pensamentos, nossas emoções e nosso estado de espírito. Você já parou para pensar nos efeitos daquilo que você consome sobre o seu estado mental? Por exemplo, como você se sente quando vê uma revista cheia de modelos com corpos perfeitos e as roupas da moda? Como se sente ao assistir um programa de TV repleto de propagandas dizendo o que você deve comprar? Que tipo de emoções surgem quando você vê fotos das pessoas em situações fantásticas no Instagram ou no Facebook? Que tipo de pensamento aparece quando você assiste ao noticiário ou lê o jornal?

Se você for como eu, perceberá que, na maioria das vezes, todo esse conteúdo gera muito mais reações negativas do que positivas. Noticiários nos deixam com raiva e indignação — porque notícias vendem mais se causarem impacto emocional. Propagandas fazem com que nos sintamos mal com nós mesmos — e claro, a “solução” que nos vendem é que consumamos mais para preencher nossos vazios. Redes sociais causam sentimento de menos valia, de inadequação — “todos têm uma vida perfeita, menos eu”. Por que será que continuamos nos alimentando de tanta coisa que só nos faz mal?

Abaixo listei algumas ações que adotei a fim de lidar com o consumo de “alimentos” nocivos para a mente, bem como os medos que tinha e o que descobri ao colocar em prática. Não estou querendo dizer que essa é a forma com que você necessariamente deveria lidar com isso; são apenas mudanças que eu adotei a partir da reflexão sobre o que me fazia mal. A sua reflexão pode levar você a outros caminhos.

Apagar Facebook e outras redes sociais

Não estou em nenhuma rede social. Apaguei todas as minhas contas em Facebook, Instagram, Google Plus, Twitter, LinkedIn etc.

Medo: vou perder o contato com os amigos e não vou mais saber o que está acontecendo.

O que descobri: não perdemos o contato com os amigos. Perdemos o contato apenas com aquelas pessoas com quem já não falávamos. As pessoas realmente próximas mantêm o contato de outras formas. E aquilo que deixamos de saber não faz a menor diferença nas nossas vidas. Bônus: depois de algumas semanas, você até esquece de que redes sociais existem.

Cortar o consumo diário de notícias

Parei de assistir noticiários, entrar em sites de notícias, ler jornais e revistas.

Medo: vou ficar desinformado e alienado.

O que descobri: as notícias chegam a você de outras formas. As pessoas contam aquilo que é relevante. E o mais interessante é que isso dá uma ótima oportunidade para estabelecer conversas enriquecedoras. Em vez de ter uma opinião formada e estabelecer conversas paralelas, você pode pedir que o outro lhe conte as novidades, com interesse genuíno pelo que está ouvindo. As pessoas ficam felizes de poder fazer isso. E, a partir daquilo que ouve, você pode se aprofundar em assuntos que lhe interessam procurando especificamente por eles, em vez de ser bombardeado diariamente com informações diversas.

Fugir de TV e propagandas

Não tenho TV a cabo (apenas uma antena de TV digital). Não assisto TV, com exceção, confesso, de um ou outro evento esportivo, com a TV sem som (por que preciso de alguém descrevendo incessantemente tudo que já estou vendo?) e desligando durante os comerciais. No computador, uso o AdBlock para bloquear propagandas em sites e nunca olho ou aceito propagandas na rua. Se você reparar, aqui no Vida Boa não há ícones de redes sociais nem anúncios (exceto um colocado ocasionalmente pelo WordPress.com, onde o blog está hospedado, e que você pode bloquear com o AdBlock).

Medo: a vida será entediante sem distrações que envolvem propagandas, como TV.

O que descobri: as propagandas não são feitas para o seu bem estar, por mais que elas tentem disfarçar isso, como o comercial de banco que mostra pessoas felizes (mas nunca mostram alguém perdendo o sono por causa das dívidas), ou a de um novo celular que mudará sua vida (mas deixam de fora as linhas de produção na Ásia com pessoas em condições péssimas de trabalho). Eliminar as propagandas nos faz deixar de olhar para tudo — inclusive nós mesmos — procurando o que está faltando. Quando você deixa de assistir TV, descobre que há muitas outras coisas que pode fazer com o seu tempo, como ler, passear, ficar ao ar livre ou simplesmente ao lado de pessoas de quem gosta.

Quanto passei a adotar essas estratégias, além de perceber que os medos que tinha eram infundados, percebi uma grande melhora no meu bem estar, no humor, nos tipos de pensamentos e sensações que surgiam em mim. Passei a ter menos sentimentos negativos e mais paciência, tolerância e compaixão — inclusive comigo mesmo. É nesse momento que nos damos conta que há muitas coisas nocivas que consumimos sem termos consciência dos efeitos que elas nos trazem. Da mesma forma que, quando temos uma indigestão, tentamos identificar o que comemos que nos fez mal, quando estamos constantemente com sentimentos negativos, precisamos identificar com o que estamos alimentando nossa mente.

Do mesmo jeito que alimentos que nos fazem mal tentam nos seduzir pela embalagem ou pelo sabor exagerado, redes sociais e propagandas tentam nos fazer acreditar que elas são boas para nós. E aí é só lembrar que, quase sempre, se algo é grátis, é porque você é o produto. Você é o produto que a TV, os jornais e as revistas tentam vender para os anunciantes, a fim de fazer com que você consuma sempre mais. O entretenimento, a diversão e a “informação” que nos oferecem são apenas chamarizes para que você possa fazer parte da audiência que será vendida para quem tenta fazer você consumir sempre mais. Esse custo, no entanto, é muito alto, como você poderá perceber por conta própria ao dizer não.