Para que serve a meditação?

Não tente ser nada.
Não tente se tornar nada.
Não seja alguém que medita.
Não se torne iluminado.
Quando sentar, deixe ser como é.
Quando andar, deixe ser como é.
Não se agarre a nada.
Não resista a nada.
Ajahn Chah

Fala-se muito, hoje, nos benefícios da meditação. Se você fizer uma rápida pesquisa, verá que se demonstrou cientificamente que a meditação ajuda na melhora do estresse, ansiedade, depressão, déficit de atenção, só para citar alguns pontos. Um estudo de 2012 mostra como a meditação ajuda na inteligência, foco e no manejo de emoções positivas e negativas, sendo que as psicoterapias que incorporam práticas de mindfulness e meditação apresentam resultados ainda melhores do que a meditação sozinha (Eberth & Sedlmeier, 2012). Outro trabalho (Chiesa & Serretti, 2010) mostrou ganhos tanto para pessoas saudáveis como para indivíduos com problemas de saúde mental, melhorando na chance de recaída da depressão, uso de substâncias e até na diminuição da pressão arterial. Os cientistas, entretanto, ainda buscam entender melhor quais os mecanismos pelos quais a prática de meditação leva a todos esses resultados.

Por um lado, é ótimo que se esteja descobrindo quão benéfica pode ser essa prática. Obter resultados tão positivos numa gama tão ampla de problemas a partir de uma atividade simples, sem custo e que pode ser feita por qualquer um a qualquer momento é fantástico. Costumo conversar com as pessoas que atendo sobre meditação e exercícios de mindfulness. Para aqueles que são receptivos a isso, indico técnicas ou até cursos para que eles possam aprender como meditar e incorporar isso em suas vidas. Até agora, todos aqueles que passaram a fazer isso apresentam melhora tanto no estado emocional como na forma de lidar com as dificuldades.

Por outro lado, quando vejo a meditação utilizada como uma técnica voltada à resolução de um problema, sinto que o ponto não é exatamente esse. Tanto que, quando recomendo a meditação, procuro não prever resultados ou dizer que ela é útil para nada específico. Sugiro que a pessoa passe a praticar e veja o que acontece. Isso porque a meditação é sim uma ferramenta, mas uma ferramenta que pode ser muito mais ampla do que algo apenas para “relaxar”, “aliviar o estresse” ou “melhorar o foco”. A meditação é algo que pode mudar a forma como enxergamos a vida, o mundo e, principalmente, a nós mesmos. Ela possibilita a ocorrência de insights importantes, ao mesmo tempo que traz serenidade para processar e aplicar tudo o que nos damos conta meditando na própria vida. E é a partir disso que todos esses outros benefícios ocorrem. Uma pessoa que medita tem menos chances de recair numa depressão não porque a meditação vai torná-la sempre alegre, e sim porque ela terá mais clareza sobre a sua própria natureza, sua depressão, seus sentimentos e suas atitudes.

Por isso, ao mesmo tempo que considero bastante relevante incentivar a meditação, acho interessante não ter um resultado específico em mente. Quando a pessoa medita esperando um resultado específico, essa expectativa pode sabotar todo o processo. Uma pessoa ansiosa com certeza cobrará de si mesma conseguir meditar corretamente, conseguir ter benefícios com a meditação, e o fato dela esperar isso será justamente o que vai impedir esses resultados de acontecerem. E, ao constatar que ela não conseguiu atingir esses objetivos, ela se sentirá mal e inadequada, o que pode ser um malefício, não um benefício.

Portanto, a meditação é algo que é melhor feito quando não se tem expectativas, quando não se coloca nela uma utilidade específica. Paradoxalmente, quanto menos se espera dela, mais ela pode oferecer. Acredito que a melhor atitude frente a meditação é: medite; não espere nada; veja o que acontece.

Referências
Chiesa, A., & Serrett, A. (2010). A systematic review of neurobiological and clinical features of mindfulness meditations. Psychological Medicine, 40, 1239-1252.
Eberth, J., & Sedlmeier, P. (2012). The effects of mindfulness meditation: A meta-analysis. Mindfulness, 3, 174-189.

Você não é especial (ao menos não da forma que imagina)

Certo dia, quando eu estava prestes a pisar numa folha seca, enxerguei a folha na dimensão suprema. Percebi que ela não estava realmente morta e que estava se fundindo com o solo úmido a fim de se manifestar na árvore na primavera seguinte em outra forma. Sorri para a folha e disse: “você está fingindo”. Thich Nhat Hanh — Vivendo Buda, Vivendo Cristo

Desde que nascemos, somos levados a acreditar que somos, de alguma forma, especiais. Há quem diga que essa ilusão de que somos o centro do universo — o ego — pode ter origem na evolução da espécie, na medida em que nos ajuda a nos proteger, aumentando as chances de sobrevivência. E, dependendo da forma como somos criados, esse senso de sermos uma entidade autônoma e independente do mundo pode ser ainda mais intensificado, levando-nos a crer que merecemos mais do que os outros. Uma criança que não é frustrada, que não recebe limites, pode se tornar um adulto que estabelece expectativas muito altas sobre tudo aquilo que ele merece obter por conta da visão que ele tem de si mesmo como excepcional.

Além disso, mesmo quando adultos, continuamos recebendo mensagens de que somos especiais. As propagandas adoram nos dizer isso. E acreditamos, mesmo sabendo que milhões de outras pessoas estão recebendo aquela mesma mensagem. Enxergamos tudo a partir da nossa visão de sermos o centro do mundo e não gostamos de ser lembrados que, para os outros, somos apenas o outro. Olhando a partir de um ângulo mais afastado, somos todos um coletivo de outros passando pela vida.

Pense numa árvore com uma grande copa. E em cada uma das folhas que formam essa copa. Agora, visualize uma única folha. Essa folha tem algo de especial? Ela tem, como vamos ver mais pra frente, mas ela não é especial em relação às outras milhares de folhas, entre as quais ela é só mais uma. Não seria estranho que aquela folha passasse a sua existência considerando-se mais do que as outras, merecedora de uma vida diferente de suas companheiras? Se essa fosse a sua expectativa, ela se condenaria à infelicidade crônica e à esperança vazia, pois por mais que ela buscasse esse tipo de afirmação, ela nunca de fato conseguiria abandonar sua condição de simplesmente ser mais uma folha.

Da mesma forma, uma pessoa pode ter status, dinheiro, poder. Mas, no fundo, ela nunca deixará de ser mais um ser humano: que sofre, que se alegra, que se angustia, que dorme, que come e que fatalmente envelhecerá e morrerá como qualquer outro ser vivo. Se olho bem, vejo que sou apenas uma folha. No ciclo natural em que existo enquanto folha até o dia em que vou amarelando e me desprendo do galho para me decompor no solo. Se eu passar a vida toda tentando ser mais do que uma folha, vou me frustrar e ainda terei desperdiçado minha oportunidade de viver conscientemente como uma folha.

Nesse sentido, experiências desagradáveis como ficar preso no trânsito, esperar numa fila, andar no meio de uma multidão ou não conseguir entrar no metrô cheio podem ser edificantes. Pois com isso podemos reconhecer nosso lugar de apenas mais um, cultivando nossa humildade.

Mas existe, na verdade, uma instância em que você é especial. Você pode se dar conta disso ao perceber seu corpo funcionando, com seu sangue correndo pelas veias, células funcionando, seu cérebro disparando impulsos nervosos, enzimas atuando… Tudo sem que você precise fazer nada! E por conta disso, você pode estar vivo. Vendo, ouvindo, sentindo, falando, indo para um lugar e para o outro, interagindo com outras pessoas, animais, plantas. Você pode dizer: “mas isso todo mundo tem”. E é bem por aí. Você não é especial em relação a ninguém, mas é especial, como todo mundo, no sentido de simplesmente estar vivo, simplesmente ser.

Quando ficamos muito focados em tentar fazer valer essa ilusão de sermos individualmente e egocentricamente especiais, perdemos de vista o encantamento com a vida, com a maravilha surreal que está nos atos mais banais que executamos — como respirar. Por isso, preste atenção na sua respiração. Sinta como seu corpo inteiro respira. Sente-se com a atenção focada na respiração por alguns minutos todos os dias. Lembre-se dela ao realizar suas atividades cotidianas. Respire de forma consciente dia após dia até que você consiga esquecer a ilusão de que apenas você é especial e entender que tudo — inclusive você — é especial.

Posse e possessividade

Por conta das nossas influências biológicas, psicológicas e culturais, somos levados a enxergar o mundo como se fôssemos o centro dele. Tudo aquilo que existe é visto na sua relação com o eu, ou seja, comigo mesmo. Quando nasce, o bebê não faz a distinção entre o eu e o outro: tudo é visto como parte de si. Com o tempo, as frustrações de suas vontades vão criando a noção de separação entre aquilo que sou, quero, desejo, e o resto do mundo. A forma como lidamos com isso determina a nossa atitude no resto da nossa vida, e muitos dos nossos conflitos decorrem desse embate entre o eu e o mundo.

Veja por exemplo a nossa linguagem. Pare para pensar o quanto utilizamos os pronomes “meu” ou “minha”. Minha casa, meu carro, meu computador. Mas perceba que não utilizamos esses pronomes apenas para objetos; os usamos também para as nossas relações, ou seja, para pessoas. Minha mulher, meu marido, meu pai, minha filha, meu vizinho, minha amiga. E vamos além, aplicando-os inclusive para conceitos maiores ou mais abstratos. Meu país, meu Deus, minha vida.

Essa visão egocêntrica nos dá a ideia que tudo isso está sob nossa posse, sob nosso controle. Esperamos que todos esses objetos, pessoas e conceitos “funcionem” da forma como desejamos ou esperamos. Como isso obviamente não acontece — até porque o eu que vê o outro como “meu” também é o “meu” do eu do outro — acabamos sofrendo. Por isso, poderíamos refletir sobre o que estamos querendo dizer quando falamos “meu” ou “minha”, pois com o uso desses termos, talvez acabemos enganando a nós mesmos sobre a relação que estabelecemos com as coisas e as pessoas à nossa volta.

É possível que a frequência com que você enxerga as coisas como sob sua posse ou controle esteja diretamente relacionada ao seu sofrimento. Se você conseguir ter empatia, se colocar no lugar do outro, se ver como igual e colocar os próprios interesses abaixo ou no mesmo nível do outro, a tendência é que você sofra menos. No entanto, se você tem um nível elevado de egocentrismo, provavelmente dividirá o mundo — e as pessoas — entre aquelas que têm utilidade pra você e as que não têm. E provavelmente você sofrerá bastante com o fato das coisas não saírem como você espera.

Além de causar bastante sofrimento pessoal, uma perspectiva de posse e controle sobre tudo que é externo afeta especialmente as relações interpessoais. Pois o outro não é visto como alguém íntegro, completo, uma pessoa igual, e sim como alguém que deve ser isso ou aquilo em função do desejo do eu. Se esse outro atende o desejo e a expectativa do eu, ele é bom; se não, é ruim. E se ora ele o faz, ora não, ele é visto ora como bom, ora como ruim, criando uma relação confusa de amor e ódio. Esse eu excessivamente egocêntrico não consegue enxergar que o outro é simplesmente o outro funcionando, e fica perplexo ao não entender como ele pode se encaixar e desencaixar tão facilmente de suas expectativas.

Uma descoberta importante na nossa relação com o mundo e com os outros é como a de Copérnico, ao determinar que não era o Sol que girava em torno da Terra e sim o contrário. Mais do que isso, podemos enxergar o Sol e a Terra como dançando um em volta do outro num espaço muito mais amplo, e só podemos dizer quem gira em torno de quem se adotarmos uma referência artificial. Da mesma forma, talvez seja artificial a distinção entre eu e outro. Pode ser ilusória essa noção que temos e que é acentuada na pós modernidade, em que nos enxergamos como um ser indefeso e isolado jogado num mundo cruel. Com o devido esforço, pode ser que consigamos entender que não existe nem eu nem outro, e que palavras como “meu” ou “minha” não fazem o menor sentido.