Refúgio no momento presente

Momentos de mindfulness possuem certos aspectos em comum, independentemente de onde o praticante se situa no continuum da prática. O momento em si de despertar, de mindfulness, é o mesmo experimentado tanto pelo meditante experiente como pelo iniciante praticando mindfulness no seu dia a dia.
Christopher Germer

Algumas vezes, nós temos problemas sérios. Realmente sérios. Outras vezes, acreditamos que problemas não tão sérios parecem piores do que realmente são. A diferença entre os dois tipos é que os primeiros geralmente demandam algum tipo de ação. Os outros podem se beneficiar de uma simples mudança de perspectiva.

Mas, independentemente da gravidade real dos nossos problemas, o sofrimento que eles causam reside na nossa mente. Sendo assim, temos diversas maneiras de encará-los. Existem duas coisas que podemos fazer para amenizar o nosso sofrimento.

Aceitação

A primeira coisa é aceitar as coisas como elas são. Isso não significa passividade ou resignação, mas simplesmente reconhecer que, em um determinado momento, o que é, é. O sofrimento ocorre quando não aceitamos algo de verdade, ou seja, quando não queremos que algo que é, seja. Quando não queremos sentir dor ou tristeza. Quando desejamos que algo que fizemos tivesse sido diferente. Se estivermos abertos a lidar com as coisas como elas são e a sentir o que quer que precisemos sentir em um determinado momento, boa parte do sofrimento se dissolve. E mais: nós não podemos realmente mudar a menos que aceitemos as coisas antes.

Refugiar-se no momento presente

A segunda coisa que podemos fazer é voltar sempre para o momento presente. Vamos fazer um exercício. Prepare uma xícara de chá ou de café. Encontre um lugar tranquilo, em que você possa relaxar por alguns minutos. Sente-se confortavelmente. Passe a prestar atenção nas suas sensações. Os sons (ou a ausência deles). A temperatura do ambiente. O sabor da bebida. O peso da xícara na sua mão e o das roupas no seu corpo. A luz, as cores e as formas daquilo que você está vendo. A sua respiração. O fluxo de pensamentos que surge em sua mente. Note tudo isso. Este é o momento presente, e é tudo que você tem. E ninguém, nenhum problema, poderá tirar isso de você. Perceba como, nesse breve período de tempo, apenas o que você está vivendo é real, enquanto todas as suas preocupações são projeções mentais. Seu sofrimento está ligado ao medo do futuro, a lembranças do passado. Mas, não importa o que aconteça, você sempre poderá sentar com a sua própria companhia e respirar. O momento presente é infinito, e você tem ele inteiro.

Depois disso, você pode voltar para suas atividades. Pode se engajar nas atitudes que julga necessárias para melhorar a sua vida e para solucionar suas preocupações. Mas não se esqueça desse refúgio. Ele está sempre à mão, a qualquer hora e em qualquer lugar. Sempre que quiser, você pode simplesmente voltar a ele, focando na sua respiração, nas sensações e no simples fato de se estar vivendo. Talvez um dia você perceba que toda sua vida pode estar dentro desse refúgio, e que na verdade a única coisa que de fato existe é o momento presente.

Seja sempre um principiante

Ser sempre um principiante é a tônica do livro Mente Zen, Mente de Principiante, de Shunryu Suzuki (clique para baixar o PDF). A frase soa estranha na nossa visão ocidental. Ser principiante, novato, inexperiente é visto como algo negativo. Tudo o que queremos é ser experts. A posição de não saber é incômoda. Queremos saber, pois acreditamos que quanto mais conhecimento temos, melhor podemos controlar um mundo ao qual nos colocamos em oposição.

Entretanto, conhecimento é diferente de sabedoria. Sabedoria tem mais a ver com a nossa postura na vida. Podem existir pessoas com muito conhecimento e pouca sabedoria, como também o contrário. Independentemente do conhecimento que se tenha, assumir a postura de principiante é, segundo Suzuki, uma atitude sábia.

Na mente do principiante não há pensamentos do tipo “eu alcancei algo”. Todos os pensamentos egocentrados limitam a vastidão da mente. Quando não alimentamos pensamento nenhum de conquista, nem pensamentos egocentrados, somos verdadeiros principiantes e podemos então aprender alguma coisa de fato. A mente do principiante é mente de compaixão. Quando nossa mente é compassiva, torna-se ilimitada.
Shunryu Suzuki

O que existe na posição de principiante que pode ser extremamente benéfico para nossa vida? Podemos pensar em alguns pontos.

Abertura

Quando estamos iniciando uma prática ou um curso, estamos extremamente abertos para o que virá. Aceitamos aquilo que nos é oferecido ou ensinado sem julgamentos ou filtros. Como seria se tivéssemos a mesma atitude frente ao que acontece na nossa vida? Se pudéssemos receber cada momento de forma aberta, buscando enxergar o que é possível aprender com ele?

Interesse

Quando somos principiantes, temos interesse naquilo que nos engajamos. Acreditamos que podemos evoluir, e que o que temos pela frente pode nos proporcionar o aprimoramento que vemos como importante. Dessa forma, não apenas aceitamos como também direcionamos a nossa atenção e energia para aquilo que é oferecido. Da mesma forma, como seria isso na nossa vida? Com que frequência nos engajamos naquilo que de fato estamos vivendo? Ou nossa energia fica demasiadamente focada naquilo que gostaríamos de estar vivendo, nas recordações do passado, ou nos anseios em relação ao futuro?

Humildade

Numa posição de principiante, não há espaço para a arrogância ou a soberba. Partimos do pressuposto que não sabemos algo, que não somos bons em determinada coisa. Com isso, podemos deixar o nosso egocentrismo de lado e olhar para o outro, para o que ele tem a nos oferecer. Há espaço para a admiração e a reverência. Não levamos a sério as nossas concepções sobre determinada coisa. Sabemos que ela é inicial e que temos muito a aprender. Estamos abertos a estarmos errados e a deixarmos para trás nossas ideias. Nos tirar do centro do universo é um exercício necessário, mas que fazemos muito pouco.

Suzuki falou em ser sempre um principiante na prática do Zen. Mas o que é o Zen senão a própria vida? Então, essa postura pode se aplicar a tudo que fazemos. Afinal de contas, estamos mesmo sempre começando: cada dia, cada hora, cada minuto é absolutamente novo. Em que medida estamos abertos para toda essa novidade? Como um ávido estudante no seu primeiro dia de aula ou como um professor mau humorado que acredita já saber tudo?

Onde estão seus problemas?

Quando você se senta no meio de seu problema o que é mais real para você? O seu problema ou você mesmo? A consciência de que você existe aqui e agora é o fato supremo.
Shunryu Suzuki

Um dia desses, meio surpreso, me dei conta de que não tinha nenhum problema. Não havia nenhuma situação a ser resolvida, nada que necessitasse a minha preocupação, ou que tirasse meu sono. Foi um bom momento, mas que, de certa forma, me intrigou. “Todo mundo tem problemas”, pensei. “Não posso ser diferente.” Passei, então, a tentar entender a que se devia aquela sensação boa e estranha ao mesmo tempo. Ao não conseguir encontrar um problema para me preocupar, senti quase como se estivesse fazendo algo de errado.

Primeiro, percebi que não havia nada de grave acontecendo na minha vida. Nada que realmente demandasse nenhuma atitude ou solução. Estava apenas vivendo na minha rotina normal. Então, de fato era um momento de calmaria. Por outro lado, mesmo a minha rotina ainda estava repleta de coisas a serem feitas ou resolvidas: as contas para pagar, e-mails para responder, tarefas para cumprir e alguns atendimentos desafiadores a serem enfrentados. Nada disso, no entanto, eu percebia como um problema; eram eventos naturais da vida, que nunca cessam. Enquanto eu estivesse vivo, teria que passar por isso. Entretanto, talvez eu não estivesse enxergando como problemas as situações que poderiam ser encaradas dessa forma.

Avaliando um pouco a mim mesmo e às pessoas que atendo, percebi que somos nós mesmos que damos esse rótulo de “problema” a diversos eventos da vida e transformamos algo que é simples em algo que demanda preocupação, ansiedade e, especialmente, uma solução. Nós mesmos nos colocamos numa situação em que só nos permitimos relaxar depois que os problemas forem resolvidos. O que acaba sendo uma armadilha, pois as dificuldades nunca deixam de surgir, especialmente se nossa mente encara tudo como um problema, até mesmo aquilo que não existe.

Se você acredita que ter que lavar louça é um problema a ser resolvido, você estará criando um problema a cada refeição. Você lavará a louça para tirar o incômodo da frente, apenas para ter um pouco de alívio até que mais pratos se acumulem sobre a pia. Por outro lado, se você enxerga a louça a ser lavada como contrapartida inseparável de uma refeição consumida, e lembra-se de que você também vive para lavar a louça, ela pode deixar de ser um problema. Mais ainda, lavar a louça pode ser um exercício de mindfulness: uma oportunidade para experimentar a sensação da água, da espuma e dos próprios movimentos.

Mas o que é realmente difícil de perceber é a nossa tendência de tornar problemas imaginários em reais. A maioria dos nossos problemas não é concreta: é apenas medo de que algo aconteça. Medo de perder o emprego, de ficar sozinho, de sofrer, de fracassar. Passamos dias e noites em claro tentando resolver mentalmente esses cenários imaginários, numa tortura sem fim. Podemos estar numa tarde fantástica, tranquila, olhando o tempo passar e sentindo o vento no rosto, mas não estar presente. Ao invés disso, podemos estar viajando com nossa mente, que nos aflige com seus infinitos “e se…”.

Para reconhecer os problemas reais, é preciso sempre voltar ao presente. Pensar: “o que está acontecendo agora?”. Se existe algo a se fazer, faça. Se não, abandone as projeções catastróficas da sua mente e se concentre no momento, naquilo que você está vendo, sentindo, e ouvindo. Foque a atenção na sua respiração e perceba que não há nada que pode abalar a sua capacidade de simplesmente viver o presente. Depois de um tempo você vai perceber como são poucos os problemas que você tem, se é que tem.