Onde estão seus problemas?

Quando você se senta no meio de seu problema o que é mais real para você? O seu problema ou você mesmo? A consciência de que você existe aqui e agora é o fato supremo.
Shunryu Suzuki

Um dia desses, meio surpreso, me dei conta de que não tinha nenhum problema. Não havia nenhuma situação a ser resolvida, nada que necessitasse a minha preocupação, ou que tirasse meu sono. Foi um bom momento, mas que, de certa forma, me intrigou. “Todo mundo tem problemas”, pensei. “Não posso ser diferente.” Passei, então, a tentar entender a que se devia aquela sensação boa e estranha ao mesmo tempo. Ao não conseguir encontrar um problema para me preocupar, senti quase como se estivesse fazendo algo de errado.

Primeiro, percebi que não havia nada de grave acontecendo na minha vida. Nada que realmente demandasse nenhuma atitude ou solução. Estava apenas vivendo na minha rotina normal. Então, de fato era um momento de calmaria. Por outro lado, mesmo a minha rotina ainda estava repleta de coisas a serem feitas ou resolvidas: as contas para pagar, e-mails para responder, tarefas para cumprir e alguns atendimentos desafiadores a serem enfrentados. Nada disso, no entanto, eu percebia como um problema; eram eventos naturais da vida, que nunca cessam. Enquanto eu estivesse vivo, teria que passar por isso. Entretanto, talvez eu não estivesse enxergando como problemas as situações que poderiam ser encaradas dessa forma.

Avaliando um pouco a mim mesmo e às pessoas que atendo, percebi que somos nós mesmos que damos esse rótulo de “problema” a diversos eventos da vida e transformamos algo que é simples em algo que demanda preocupação, ansiedade e, especialmente, uma solução. Nós mesmos nos colocamos numa situação em que só nos permitimos relaxar depois que os problemas forem resolvidos. O que acaba sendo uma armadilha, pois as dificuldades nunca deixam de surgir, especialmente se nossa mente encara tudo como um problema, até mesmo aquilo que não existe.

Se você acredita que ter que lavar louça é um problema a ser resolvido, você estará criando um problema a cada refeição. Você lavará a louça para tirar o incômodo da frente, apenas para ter um pouco de alívio até que mais pratos se acumulem sobre a pia. Por outro lado, se você enxerga a louça a ser lavada como contrapartida inseparável de uma refeição consumida, e lembra-se de que você também vive para lavar a louça, ela pode deixar de ser um problema. Mais ainda, lavar a louça pode ser um exercício de mindfulness: uma oportunidade para experimentar a sensação da água, da espuma e dos próprios movimentos.

Mas o que é realmente difícil de perceber é a nossa tendência de tornar problemas imaginários em reais. A maioria dos nossos problemas não é concreta: é apenas medo de que algo aconteça. Medo de perder o emprego, de ficar sozinho, de sofrer, de fracassar. Passamos dias e noites em claro tentando resolver mentalmente esses cenários imaginários, numa tortura sem fim. Podemos estar numa tarde fantástica, tranquila, olhando o tempo passar e sentindo o vento no rosto, mas não estar presente. Ao invés disso, podemos estar viajando com nossa mente, que nos aflige com seus infinitos “e se…”.

Para reconhecer os problemas reais, é preciso sempre voltar ao presente. Pensar: “o que está acontecendo agora?”. Se existe algo a se fazer, faça. Se não, abandone as projeções catastróficas da sua mente e se concentre no momento, naquilo que você está vendo, sentindo, e ouvindo. Foque a atenção na sua respiração e perceba que não há nada que pode abalar a sua capacidade de simplesmente viver o presente. Depois de um tempo você vai perceber como são poucos os problemas que você tem, se é que tem.

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