A magia de lavar o banheiro

Se você olhar com cuidado para sua vida enfadonha e cotidiana, descobrirá algo verdadeiramente maravilhoso. Nossas velhas vidas comuns e banais são incrivelmente alegres — surpreendente, assombrosa, incansável e implacavelmente alegres. E você também não precisa fazer coisa nenhuma para experimental tal alegria. As pessoas acham que precisam de grandes experiências, experiências interessantes. E é verdade que experiências gigantes e avassaladoras às vezes fazem com que as pessoas, por um breve momento, entrem num estado iluminado. É por isso que essas experiências são tão desejadas. Mas esse estado se esvai rapidamente e você logo estará atrás da próxima excitação. Você não precisa usar drogas, explodir edifícios, ganhar uma corrida de Fórmula 1 ou andar sobre a Lua. Você não precisa sobrevoar o Himalaia de parapente, transar com aquela pessoa super desejada do seu trabalho ou festejar a noite toda com pessoas bonitas. Você não precisa de visões de união com a totalidade do Universo. Apenas seja o que você é, onde você estiver. Lave o banheiro. Passeie com o cachorro. Faça seu trabalho. Essa é a coisa mais mágica que existe.
Brad Warner

Enrique Mandez
Enrique Mendez

Acredito que para muitas pessoas esse tipo de olhar sobre a vida pode parecer estranho. Passamos os nossos dias buscando essas experiências, ou trabalhando para que façamos isso em algum momento. Esperamos o fim de semana para a balada, as férias para aquela sonhada viagem. Não enxergar nisso a nossa fonte de bem estar parece contraintuitivo. A questão é que essas experiências nos foram vendidas como as únicas coisas pelas quais vale a pena viver e trabalhar. E, por conta disso, não conseguimos mais perceber o quão absurda e maravilhosa é a vida em todos os seus momentos.

Nós respiramos, olhamos, falamos, ouvimos, sentimos. Parando para pensar nisso, vemos como é impressionante o simples fato de estarmos vivos. Entretanto, como isso é, para nós, banal, construimos toda uma ideia de como a vida deveria ser e passamos a viver dentro das nossas mentes. Usamos a existência apenas como base para perseguir as nossas fantasias. Simplesmente existir é chato: precisamos de atividades, suprir desejos, conquistar, ganhar. O problema é que, mesmo quando conseguimos vivenciar as nossas fantasias tais quais idealizamos — o que é raro — logo voltamos a um estado de carência, criando e buscando uma nova fantasia. Nunca estamos satisfeitos.

E se, percebendo que todas essas experiências vendidas como incríveis não nos fazem felizes, tomássemos um caminho distinto? E se abraçássemos o que a vida tem de mais pacífico e cotidiano como verdadeiros milagres, como as experiências fantásticas que são? Ouvir o som de um pássaro, conversar com uma pessoa querida, varrer a calçada, lavar a louça. Por mais absurdo que possa parecer, talvez a felicidade não esteja em esquiar nos Alpes — e sim em descobrir como é fantástico lavar um banheiro.

Meditação da respiração

Sean Kelly
Sean Kelly

Existem muitas técnicas de meditação, com diferentes objetivos. A prática mais simples e difundida é chamada de meditação da respiração. Segue a receita:

A meditação da respiração torna você intimamente consciente do ritmo primitivo da sua existência física. (…) Tendo encontrado uma postura estável em que suas costas estejam eretas, direcione toda a sua atenção para a sensação física da respiração conforme ela entra pelas narinas, preenche os pulmões, é pausada, contrai os pulmões, é expelida, pausada novamente e assim por diante. Não controle a respiração; apenas permaneça com uma curiosidade tranquila na consciência do corpo respirando. Se a respiração é curta e superficial, perceba-a como curta e superficial. Se é longa e profunda, perceba-a como longa e profunda. Não há um jeito certo ou errado de respirar.

Stephen Batchelor

Você não precisa se preocupar em sentar no chão com as pernas cruzadas em lótus, se isso não for confortável para você. Você pode se sentar normalmente numa cadeira. O importante é estar em uma posição em que você possa relaxar e ficar algum tempo sem precisar se mexer. Você pode fechar os olhos ou deixá-los semicerrados, olhando para baixo e para a frente.

Ao longo de uma sessão de meditação, a atenção se desviará da respiração muitas e muitas vezes. Não há nenhum problema nisso. Basta trazer gentilmente a atenção de volta ao foco toda vez que você perceber isso acontecendo. Comece aos poucos, meditando por cinco minutos, por exemplo. Conforme for se sentindo capaz, aumente o tempo. Você pode usar um despertador ou um aplicativo (como o Insight Timer) para sinalizar o tempo.

O objetivo da meditação não é atingir nenhum estado de transe ou produzir algum tipo de sensação especial. Ao contrário, é manter contato com o mais básico e banal da existência: simplesmente parar, sentar e respirar. Na meditação deixamos, por um momento, de nos envolver na busca pelo prazer e na fuga da dor que nos move o tempo todo. Em vez disso, convivemos com o tédio. E, através desse tédio, podemos gerar calma, serenidade, clareza e atenção.

Decisões

Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo “esboço” não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.
Milan Kundera — A Insustentável Leveza do Ser

Gary Gao
Gary Gao

Estar frente a uma decisão importante pode ser torturante. Geralmente, exploramos cada canto da nossa mente tentando achar informações que possam nos ajudar a seguir para um lado “certo”. O problema é que no máximo temos o resultado de situações passadas ou exemplos da vida de outras pessoas. E, para piorar, nunca temos como saber se as escolhas já feitas foram as melhores, como diz o texto acima. A impossibilidade de saber qual é a melhor forma de agir está entre o que nos causa mais angústia. Essa angústia é a própria essência das nossas limitações humanas, da nossa pequenez frente a um mundo que vive por conta própria. Então, mais uma vez, é essencial ver as coisas como elas realmente são, e não como gostaríamos que fossem nas nossas ilusões egocêntricas.

O fato de só podermos escolher um caminho sem saber ao certo onde ele nos levará reflete a inutilidade das tentativas de controle. Se agirmos apenas em função dos resultados que queremos obter, tendemos a criar estresse, ansiedade e nos fechamos para as possibilidade diferentes daquela que imaginamos. Corremos o risco de agir como a criança que se recusa a brincar se o jogo não for do jeito dela. O problema é que, nesse caso, a brincadeira vai acontecer ela querendo ou não.

A dúvida e a insegurança fazem parte da vida. Não existe um caminho em que elas não vão estar presentes, em que não pensemos “e se eu tivesse feito aquilo?”. Podemos tentar “acertar”, escolher em função dos efeitos que queremos promover. Mas é bom lembrar que não há nenhuma garantia de que teremos sucesso. Melhor seria decidir de acordo com os nossos valores, de acordo com aquilo que queremos assumir como nossas ações. Mas sem criar expectativas sobre os resultados. Em outras palavras: fazer o nosso melhor e aceitar, sem resistência, aquilo que o mundo nos dá de volta.