Pensamentos “tenho que”

Muitos aspectos da psicologia moderna convergem com ensinamentos da filosofia oriental. Tomemos por base o trecho de Ajahn Sumedho, monge budista:

Robb North
Robb North

Nosso sofrimento vem do apego que temos com ideais, e da forma complexa que criamos a respeito de como as coisas são. Nunca somos o que devemos ser de acordo com nossos ideais mais altos. A vida, os outros, o país em que vivemos, o mundo em que vivemos – as coisas nunca parecem ser o que deveriam. Tornamo-nos muito críticos de tudo e de nós mesmos: “eu sei que deveria ser mais paciente, mas eu não consigo ser paciente”… Veja todos os “devos” e “não devos” e os desejos: querer o agradável, querer se tornar algo ou se livrar do feio e do doloroso. É como se houvesse alguém atrás da cerca dizendo, “eu quero isto e não gosto daquilo”. As coisas devem ser deste jeito e não daquele jeito.” Use seu tempo para ouvir a mente reclamando; traga-a para a consciência.

Na psicologia cognitiva atual, defende-se que muitas das nossas dificuldades estão baseadas em percepções errôneas sobre o mundo. Essas percepções errôneas são chamadas de distorções cognitivas.

Uma das categorias dessas concepções erradas se refere justamente à “ditadura dos deveria”, quando pensamos que deveríamos fazer isso ou aquilo, ser de um jeito ou de outro, ou que as coisas deveriam ser desse ou daquele modo. Esse tipo de pensamento causa angústia, pois, obviamente, é impossível controlar a si mesmo e a todos para que tudo seja do jeito que acreditamos que deve ser.

Uma mudança de perspectiva envolve aceitar as coisas tais como são, inclusive nós mesmos. Quando entendemos a relação entre os eventos e como cada “coisa” é apenas uma contingência para outra, percebemos que o mundo ideal que imaginamos, ou a pessoa ideal que pretendemos ser é apenas uma fantasia que causa sofrimento. Quando condicionamos a nossa felicidade ao dia em que nos tornarmos tudo aquilo que queremos ser, na verdade estamos nos condicionando à infelicidade, porque tal estado é inatingível – e, mesmo que fosse possível, ainda assim não nos traria plenitude.

Aceitação

A liberdade é instantânea no momento em que aceitamos as coisas como elas são.

Karen Maezen Miller

Se pararmos para pensar por um momento, não é difícil perceber o quando ficamos lutando contra a natureza, contra outras pessoas ou nós mesmos, simplesmente pela necessidade de controlar tudo que acontece. Obviamente, é uma batalha perdida – mas que ainda assim empregamos constantemente nas nossas vidas.

Aceitar não significa não sentir: há o sofrimento inevitável quando passamos por algo ruim. Significa, na verdade, não querer se livrar daquilo a qualquer custo. Muitas vezes essa aversão causa mais sofrimento do que o fato em si. Tendo em mente que nada permanece, podemos ter uma atitude mais compassiva com as nossas próprias dificuldades.

Aceitar também não é igual à não reação. Devemos cuidar de nós mesmos e dos outros. Mas quando examinamos as situações de forma ponderada, podemos entender melhor quando devemos agir e quando há coisas cuja reação é infrutífera e causará mais dificuldades.

Na Terapia de Aceitação e Compromisso, a aceitação refere-se à convivência com os estados emocionais negativos, como tristeza, raiva, aversão, preocupação, incômodo. Se formos pensar, a maior parte dos problemas psicológicos residem na nossa incapacidade em lidar com tais sensações, que nos leva a querer controlar os aspectos da nossa vida que as provocam. Na ânsia de evitar o sofrimento, muitas vezes criamos as condições para que ele surja.

Quando entendemos que não somos obrigados a fazer nada, nem a reagir automática e freneticamente a tudo que sentimos ou vivenciamos, experimentamos uma sensação de paz. A liberdade verdadeira começa por aquela que nos permitimos ter.

Valorizando cada momento

Ligamos a TV e vemos uma série de promessas de produtos que permitem que façamos nossas atividades diárias de forma mais rápida. Você pode comprar um descascador de batatas e descascá-las em um décimo do tempo. Assim, dizem os anunciantes, você terá mais tempo para outras coisas.

Mas o que fazemos com o tempo que economizamos com a tecnologia? Basicamente, o ocupamos trabalhando mais ou nos entretendo com TV, cinema e outras distrações. Ter mais tempo livre não significa ser mais feliz. Ainda assim, consumimos e procuramos tudo aquilo que pode nos facilitar a vida ou poupar tempo, já que julgamos certas atividades como aversivas e buscamos preencher as nossas vidas o máximo com situações agradáveis e remover as desagradáveis.

Chegamos a pensar que estamos vivendo, de fato, apenas quando estamos nas situações agradáveis: quando viajamos, quando saímos com os amigos, quando estamos com alguém especial, ou numa festa. Quando temos essa percepção, a ideia é que todo o resto do tempo – a rotina, o trabalho, as tarefas domésticas, o trânsito – não é vida, e sim um hiato entre dois momentos de excitação. E aí, é muito fácil cair em depressão ou não ver sentido na vida quando permanecemos muito tempo nesses hiatos.

O fato é que tudo é vida, estejamos descascando batatas ou passeando em Paris. A sabedoria envolve viver o momento presente, seja ele qual for, não querendo estar em outro lugar ou fazendo outra coisa. Quando tentamos preencher nossa vida apenas com situações agradáveis, inevitavelmente sofreremos, pois mais cedo ou mais tarde elas terminarão. Quando aceitamos e contemplamos a beleza de todos os momentos da vida, sejam agradáveis ou desagradáveis, é possível ter paz.