Pessoas difíceis

“Para um praticante espiritual, os inimigos têm um papel crucial.
No meu entender, a compaixão é a essência de uma vida espiritual. A fim de ser plenamente recompensado pela prática do amor e da compaixão, o treinamento da paciência e da tolerância é indispensável.
Não há coragem alguma que se assemelhe à da paciência, como também não há desconforto pior que o da raiva.
Em consequência, nossos esforços devem ser todos empenhados não para morrer de raiva contra nosso inimigo, mas para revigorar nossa prática da paciência e da tolerância.”
Dalai Lama

Foto: Brendon Burton
Foto: Brendon Burton

Todos nós temos aquela pessoa difícil nas nossas vidas. Às vezes, mais do que uma. Pode ser um familiar, um colega de classe, de trabalho, um vizinho. Desenvolvemos uma animosidade que não raro chega ao ponto em que tudo que a pessoa faz nos irrita. Fazemos longas listas mentais com todos os defeitos e atitudes problemáticas que esse outro tem. Chegamos à conclusão que a vida seria melhor se a pessoa fosse diferente, se estivesse longe ou até se não existisse.

Quando estamos listando todos os seus defeitos e fantasiando sobre como tudo seria melhor se as coisas fossem diferentes, o que estamos realmente fazendo? Na verdade, estamos criando uma versão ideal do outro, baseada na nossa perspectiva do que é bom ou ruim. Nessa versão ideal, o outro não faria nada de errado, seria diferente, agiria de outra forma. Mas essa é uma visão irreal. Essa pessoa idealizada simplesmente não existe. Veja quanto sofrimento causamos a nós mesmos por esperar que as pessoas fossem do jeito que gostaríamos.

Vemos isso o tempo todo: dizemos como todo mundo deve se comportar e pensar. “As pessoas deveriam ser mais honestas, mais responsáveis, mais civilizadas, mais ativas, etc.” Adoramos falar o que o outro deve fazer. Acreditamos ter a receita certa sobre como o mundo deveria funcionar; não é incomum que pensemos mais ou menos dessa forma: “se todo mundo agisse do jeito que eu acho certo, tudo seria ótimo”.

O problema é que acreditar muito nisso — ou pior, tentar convencer os outros disso — pode ser muito estressante, além de pouco prático. Se você realmente quer viver melhor, pode ser uma boa ideia fazer justamente o contrário. Olhe para esse outro que tanto incomoda e agradeça por ele ser como é. Essa pessoa pode lhe ensinar muito sobre você mesmo(a). Basta olhar a fundo a raiz do incômodo que ela lhe causa. Você pode perceber que esse incômodo tem mais a ver com você mesmo do que com o outro. E, quando você olha para o outro e reconhece aquilo que não gosta, que não quer, que não é, você está se definindo: você percebe quem é, o que é, o que quer. Esse outro que parece atrapalhar tanto nos ajuda a estabelecer a nossa própria identidade.

Além disso, uma pessoa difícil possibilita uma grande oportunidade: você tem a chance de desenvolver sua compaixão, sua paciência, sua tolerância. Alguns valores na nossa cultura parecem ser apenas da boca pra fora: ouvimos desde cedo sobre como é esperado que amemos o próximo, que nos coloquemos no lugar do outro, que não falemos mal das pessoas. Mas quando realmente fazemos isso? Amar alguém da nossa família, amar uma pessoa boa, amar uma pessoa agradável, é muito fácil. Agora, amar aquele que nos corta no trânsito, o colega inconveniente do trabalho, a cunhada maldosa, o radical de quem discordamos, o político corrupto, isso sim é difícil. Essas pessoas são o verdadeiro teste do nosso amor, e por isso é importante valorizá-las.

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