Psicoterapia e espiritualidade

A questão decisiva para o homem é: está ele ligado ou não ao infinito? Esta é a questão central de sua vida. Apenas se soubermos que a única coisa que realmente importa é o infinito, podemos nos desapegar de futilidades e de quaisquer metas que não são realmente importantes (…). Quanto mais o homem se preocupa com falsas posses e menos sensibilidade ele tem para o que é realmente essencial, menos satisfatória será sua vida. (…) Se entendemos e sentimos que nessa vida já temos uma ligação com o infinito, os desejos e atitudes mudam. No fim das contas, nós só temos valor por conta do essencial que temos em nós, e se não tivermos isso, a vida é desperdiçada.
Carl C. Jung¹

Psicólogos tendem a não saber lidar bem com a espiritualidade e a religião de seus clientes e pacientes. Talvez isso aconteça porque, na formação em psicologia, se fale pouco ou nada sobre espiritualidade. Além disso, grandes autores da área, como Freud e Skinner, são muito críticos da espiritualidade, buscando atribuir à psicologia um aspecto de ciência pura, desconectada dessas questões. Para Freud, por exemplo, a religião podia ser vista como uma forma de expressar e lidar com os conflitos relacionados à figura do pai². Skinner considerava a religião como uma agência controladora³, ou seja, uma entidade que determina o que será punido ou reforçado na nossa sociedade.

Além dos aspectos teóricos, as preocupações éticas podem causar uma certa “paranoia” entre os psicólogos, transformando a religião numa espécie de tabu, como se fosse uma falta ética discutir esse assunto com seus pacientes. Entretanto, o que o código de ética do psicólogo⁴ diz é o seguinte:

ao psicólogo é vedado (…) induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais.

Ou seja, o que o psicólogo não pode fazer é induzir o seu paciente a adotar — ou abandonar — uma determinada crença ou prática religiosa. No entanto, isso não quer dizer que o psicólogo não possa discutir e trabalhar com as crenças e práticas que a pessoa atendida já tenha. Inclusive, alguns autores, como Carl Jung, diziam que uma compreensão completa do ser humano inclui necessariamente a sua espiritualidade, sendo esse um ponto importante a ser abordado num processo psicoterapêutico.

As religiões podem oferecer uma série de recursos extremamente valorosos para que as pessoas lidem com suas dificuldades — e existem autores que defendem essa posição com base em estudos científicos⁵. Deixar de aproveitar esses recursos na terapia seria abrir mão de ferramentas de resiliência, tolerância e compreensão que podem ser fundamentais para a melhora da pessoa atendida.

Já tive a oportunidade de atender pessoas de diversas perspectivas espirituais, como catolicismo, protestantismo, budismo, ateísmo, espiritismo e umbanda. O quanto a religião faz parte da terapia varia de caso para caso, mas em todas as ocasiões em que esse tema foi abordado, o resultado foi positivo. Perguntar “como você entende a situação que você está vivendo dentro da sua perspectiva espiritual?” ou “que aspectos da sua prática espiritual podem ajudar você a lidar com esse momento?” costuma render diálogos muito produtivos.

Outra coisa que precisamos considerar é que justamente pela psicologia se colocar como uma ciência, ela tem suas limitações. Muitas vezes, as dificuldades e os problemas que são trazidos para a terapia vão muito além daquilo que pode ser respondido de forma satisfatória pela psicologia. Questões existenciais envolvendo perdas, envelhecimento, histórias de abuso ou violência, injustiças, que podem ser resumidas na simples pergunta: “por que a vida é assim?” pedem um outro nível de discussão, que passa pela filosofia, pela espiritualidade e simplesmente não têm resposta pronta. Nesses casos, a pessoa que pergunta precisa percorrer o caminho de buscar essas respostas por conta própria, guiando-se pelas referências que ela possui, como a religião. Embora o terapeuta não possa dar essas respostas, ele pode acompanhar e facilitar esse processo, em vez de ignorá-lo.

Referências
1. Carl Jung (1965), em Memórias, Sonhos e Reflexões, pág. 365.
2. Sigmund Freud (1913), Totem e Tabu.
3. B. F. Skinner (1979), em Ciência e Comportamento Humano, pág. 383.
4. Código de ética profissional do psicólogo (2005), do Conselho Federal de Psicologia, pág. 9.
5. Kenneth I. Pargament e Carol Ann Faigin (2012), capítulo 22, Drawing on the wisdom of religious traditions in psychotherapy, do livro Wisdom and Compassion in Psychotherapy, de Christopher K. Germer e Ronald D. Siegel.

4 Comentários

  1. Olá! Tudo bem? Sigo seu blog há umas semanas, e tem-me chamado a atenção a forma como você os compartilha por e-mail de forma integral. Quando eu tento compartilhar algum post com outras pessoas, só aparece um resumo. Você utiliza a versão free direto do WordPress, ou algum plugin de um servidor pago? Obrigado pela atenção, e pelos textos, sempre ótimos! Um abraço.

    1. Oi, Eduardo

      Tudo bem? O blog está no WordPress.com e uso a opção de compartilhamento dele mesmo. No painel de controle tem uma opção na parte de configuração e leitura, que é a de mostrar o post completo ou resumo nos posts em feed. Imagino que seja isso…

      Um abraço.

  2. Oi Rodrigo! Olha, eu gostei muito desse texto. Eu acho que nós realmente não temos em nossa formação profissional um conteúdo que se relacione à religião, tampouco este é um tema muito discutido em sala. Mas eu até chego sempre a me lembrar de um comentário que uma professora fez uma vez que marcou muito. Ela disse: ” O importante não é discutirmos se Deus existe ou não existe, a questão é o quanto acreditar ou não acreditar nesse Deus interfere na qualidade de vida daquela pessoa. Isso sim, nos importa muito”. Então, acho que devemos ser humildes o suficiente para reconhecermos que a psicologia é limitada e que não abarca todo o conhecimento existente. É preciso respeito e busca de entendimento daquilo que não se sabe e, a postura de algumas abordagens de ignorar a religião, talvez seja uma forma de esquiva não é!? Quem sabe um medo de justamente de confirmar para si mesmo que há coisas das quais a psicologia (como ciência) não dá conta?!
    Abraços!
    Luciene

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