Você não precisa de resoluções de ano novo


Muitas das nossas dificuldades estão relacionadas ao fato de criarmos muitas regras para nós mesmos. Quando lidamos com nós mesmos, nossas atividades, desejos e projetos, partimos de um pressuposto infeliz: de que só funcionamos à força. Acreditamos que, para agir, precisamos nos obrigar a isso, através de cobranças, exigências e ameaças.

Isso provavelmente deriva da nossa perspectiva cultural, de que o ser humano é essencialmente não confiável, errado, pecador e, se deixado à própria sorte, estará condenado. Sendo assim, acreditamos que precisamos nos colocar no eixo com disciplina e um julgamento constante de nós mesmos, que recebe com uma condenação qualquer atitude diferente de um certo ideal.

Resoluções de ano novo entram nessa lógica: como não confio que vou agir de acordo com meus próprios interesses, preciso criar um compromisso comigo mesmo, muitas vezes público, para tentar me aproximar daquilo que estabeleço como ideal para mim. O que estamos fazendo na prática é criar mais uma regra, que nos fará sofrer quando, ao longo do ano, percebermos que estamos falhando na nossa meta.

Essa forma de enxergar a si leva a uma vida de sofrimento. Pois, ao não conseguir agir como gostaria, sofro duas vezes: por não fazer aquilo que me faria bem e pelo julgamento que faço de mim ao falhar. Na eventualidade de conseguir “andar na linha”, o melhor que sinto é alívio. Em psicologia comportamental, isso é chamado de funcionar num esquema de reforçamento negativo. Ao longo de anos de existência, esse funcionamento pode levar a um quadro crônico de ansiedade e depressão.

Muitas das pessoas que atendo se encaixam nessa perspectiva. Um dos aspectos que costumo trabalhar é justamente o relaxamento das regras e do autojulgamento negativo. É muito interessante perceber que além de acharem isso difícil, muitas pessoas têm receio de confrontar as próprias regras — que dirá abandoná-las. Elas acreditam que, se não se conduzirem com um chicote, se tornarão autoindulgentes, preguiçosos e inconsequentes.

É nesse ponto que precisamos de um pouco mais de fé em nós mesmos. Você não precisa dizer a si mesmo o que fazer. Você pode acreditar que, se as circunstâncias forem favoráveis, você vai fazer aquilo que é melhor para você e abandonar aquilo que não te faz bem. Você pode viver sem nenhuma autoexigência, mas isso requer um exercício: ficar sempre em contato com a sua experiência. É ela — e não a sua mente — que vai dizer se uma situação é boa ou ruim, se uma atitude faz sentido ou não. Se você conseguir buscar as respostas nas suas experiências de vida, não precisará mais de autocobrança e regras.

Isso porque você não precisa de conserto, correções ou de se manter na linha. Se você se deixar em paz e livre, perceberá que pode ter iniciativa, criatividade, energia e paz. Nós naturalmente nos dirigimos para aquilo que nos faz bem, desde que nosso caminho não esteja obscurecido pelos nossos medos e cobranças.

Foto: Allef Vinicius

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