Sobre pais e filhos — Alan Watts

Os trechos seguintes foram retirados da palestra “Uma sociedade verdadeiramente materialista”, de Alan Watts, que pode ser conferida na íntegra (em inglês) neste link.


O difícil é que a família, como instituição, não está sobrevivendo na cultura industrial. [A família] é uma instituição para uma cultura agrária. A família foi construída em volta da fazenda, em que as crianças trabalhavam na fazenda e eram criadas de acordo com os afazeres da fazenda, da oficina, da carpintaria — como se via na cultura agrária. Os japoneses têm estado entre os melhores carpinteiros do mundo — uma absoluta maravilha: saber como fazer as marcenarias mais complexas sem ao menos usar um modelo, fazendo pela intuição, a olho. Para treinar uma pessoa a fazer esse tipo de carpintaria, ela tem que começar aos sete anos de idade. Mas do jeito que as coisas são agora — com o Japão tendo se tornado uma cultura industrial — você não pode educar seu filho como carpinteiro, você tem que mandá-lo para a escola, onde ele vai aprender a como ser um vendedor de seguros.

A família como instituição não se sustenta mais, porque os pais e mães de família têm que sair e trabalhar em algo que não tem nenhuma relação com a vida em família. Quando eles voltam para casa, não são realmente companheiros de seus filhos porque as crianças apenas encontrariam uma real relação com seus pais trabalhando junto com eles.

E assim, conforme todo o processo educacional prossegue, as crianças são educadas para a irrealidade, para o não ser. Elas são progressivamente enganadas. É isso o que fazemos: mandamos uma criança para o jardim de infância e a alfabetizamos, mais ou menos. E a ideia é a seguinte: “se você aprender isso, irá para o primeiro ano”. E, se for bem lá, irá para o segundo ano. Então sempre há algo por vir. Você atravessará, passo a passo, o processo educacional. Até que você vai para o “mundo real”. Agora você é um adulto. Se você cumprir essa meta, haverá uma meta maior. E aquela coisa no fim da linha. Todas as propagandas dizem que se você conseguir isso ou aquilo, poderá ter o tipo certo de carro, de barco, de roupas e tudo mais. O tipo certo de bebidas. E você estará lá! Finalmente, você trabalha de acordo com isso.

E lá pelos 45 anos você acaba como vice-presidente da empresa — talvez presidente — e você diz: “Ufa, cheguei. Cheguei lá! Mas me sinto meio enganado, porque me sinto como sempre me senti. Cheguei lá, mas isso não é bem o que sempre me prometeram.”

Então, você acaba sentindo que foi trapaceado. E a razão é simplesmente essa: que a educação é vista como um processo de preparação para algo que nunca aconteceu; nunca vai acontecer. Uma educação de verdade é algo totalmente diferente. Educação, no senso verdadeiro, não é preparação para a vida, é viver de fato. É participar. É a criança participando dos assuntos adultos e fazendo isso agora. É se dar conta que o objetivo do processo em que a criança está engajada não é prepará-la para o futuro, mas aproveitar o fazer hoje.

Pois o ponto é que não há porque fazer planos para o futuro, exceto para as pessoas que são capazes de viver no presente. Se você não é capaz de viver no presente, planos são inúteis, pois quando os planos se realizarem você será incapaz de aproveitar o resultado. Se não é capaz de viver no presente, não faça planos. Se você é capaz de viver no presente, então alguns planos podem ser úteis porque eles vão produzir algo que que você poderá aproveitar e participar. O ponto central do sistema educacional que tem algum valor é permitir gradativamente que a criança participe de atividades que os adultos considerem reais e importantes, e isso deveria começar bem cedo. Em vez de dizer à criança: “Vá brincar enquanto nós fazemos o que é importante”, deixe que ela participe daquilo que consideramos importante.

Isso é muito difícil no que chamamos de família centrada na criança. Veja, se você encara aquilo que você faz (sua profissão, vocação, emprego) apenas como meios para um fim — supondo que você ganha dinheiro numa empresa que produz algo sem valor, mas ganha. E, se você justifica isso dizendo que ganha o dinheiro necessário para fazer com que seus filhos tenham algo melhor do que você, está se enganando. Pois seus filhos copiarão você, e se você existe apenas para fazer com que seus filhos tenham algo a mais do que você, eles também não farão nada além de existir para que os filhos deles tenham mais do que eles têm. E eles sempre estarão frustrados.

Agora se, por outro lado, você está fazendo algo na vida em que realmente tem interesse e que você realmente gosta, e é para isso que você vive e não para seus filhos, então seus filhos captarão o seu entusiasmo e encontrarão algo na vida pelo qual viver, assim como os filhos deles. Entretanto, infelizmente estamos numa cultura — porque sempre temos um senso de culpa de que não criamos nossos filhos adequadamente — em que fazemos todo o possível, teoricamente, para o bem dos filhos. Você não deve viver pelo bem dos seus filhos. Você deve viver pelo seu próprio bem, e então seus filhos vão aprender — pelo seu exemplo — como viver.

 

Foto: Caroline Hernandez

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