Quando as pessoas falam sobre fazer psicoterapia, as perguntas que surgem costumam seguir numa determinada linha: “terapia funciona?”, “fazer terapia é necessário?”, “faz bem?”. É estranho que não tenhamos respostas muito conclusivas para isso. Temos as opiniões pessoais daqueles que se beneficiaram muito de um processo terapêutico, bem como dos que não tiveram ganhos (e às vezes, até prejuízos).
Os psicólogos, claro, defendem a sua área dizendo que a psicoterapia funciona, é útil, é importante. E a ciência psicológica tenta respaldar essa posição realizando estudos, ensaios clínicos, desenvolvendo testes, para comprovar a eficácia da psicoterapia para os mais diversos transtornos.
No entanto, talvez seja tão difícil de qualificar a psicoterapia porque as perguntas erradas podem estar sendo feitas. Quando nos perguntamos se a terapia funciona, o que exatamente estamos tentando responder? A forma de resposta talvez nos dê algumas dicas: os estudos realizados para demonstrar a eficácia da psicoterapia indicam que existe “redução de sintomas” num “grupo homogêneo”, em relação a um “transtorno” específico.
Essa forma de responder denota que existe uma série de premissas nas entrelinhas: que a visão adotada é a do modelo médico em que o sofrimento é uma doença que precisa ter seus sintomas reduzidos; que leva-se em consideração apenas o indivíduo e não o seu contexto, como se o sofrimento fosse uma anormalidade interna; e que o “bom” é que os “tratamentos” sejam rápidos e simples, apenas para que o indivíduo continue “funcional”, “normal”, “adequado”.
Com isso, os resultados de pesquisas em psicoterapia acabam servindo apenas para endossar comercialmente esse ou aquele tipo de terapia, garantir sucesso acadêmico para seus criadores e validar práticas que seguem uma lógica capitalista e neoliberal de retornar o indivíduo a uma pretensa normalidade que ignora todos os contextos abusivos a que ele está sujeito, no trabalho, nas cidades e na precariedade do suporte social.
O que acontece, então, é que nos consultórios, o que acabamos fazendo é algo muito diferente do que é proposto na ciência psicológica. Smail (2018) propõe que paremos de tentar provar que a psicoterapia funciona. Pois o que abordamos na psicoterapia é a questão de como viver a vida, e não há critério para medir o quanto se é bem sucedido nisso ou não.
Um psicólogo talvez esteja mais próximo de um xamã, um pajé, ou até ao sacerdote de alguns séculos atrás. Nós oferecemos escuta, conforto e, às vezes, quando as circunstâncias são favoráveis, algum tipo de descoberta ou reflexão que pode levar a alguma mudança. Nós disfarçamos nossa prática de científica pois esse é o nosso zeitgeist: a de que é necessária a chancela científica para que uma atividade seja séria. Mas isso é um mero engodo; o que fazemos é muito mais solto, mais intuitivo e com muito mais senso comum do que gostamos de admitir. Mesmo quando se verifica em estudos que um conjunto de técnicas gera um determinado resultado, fica a dúvida: a mudança é provocada pela técnica ou pelo mero fato da pessoa estar num contexto terapêutico, numa relação, sendo ouvida, acolhida?
E não nos iludamos: as possibilidades de mudança real da pessoa que está em terapia é pequena. Não por culpa da pessoa ou do seu terapeuta, e sim porque a fonte do nosso sofrimento é externa. Está num trabalho sem sentido e desolador, num custo de vida insustentável, na solidão e desamparo dos nossos tempos, na impossibilidade de realmente nos conectar e achar significado. O que permitiria reais mudanças estão além do escopo do consultório: estão na nossa sociedade. Podemos estar juntos, dar suporte, apoio, empatia. Podemos ajudar a pessoa a parar de se culpar por aquilo que não é sua responsabilidade, e quem sabe, até em se engajar em atitudes que possam gerar mudanças no nosso contexto.
Mas, ainda assim, ainda que seja apenas escuta, apenas compreensão, apenas uma hora de conversa honesta, sincera e atenta, já é valioso (o quanto conseguimos realmente ter isso hoje?). Não precisamos tentar fazer com que psicoterapia pareça mais do que realmente é. Sejamos intuitivos, soltos, espontâneos, sempre com responsabilidade e cuidado com aqueles que confiam em nós. E busquemos juntos as respostas para as perguntas difíceis que não podem ser respondidas em nenhum laboratório. Esse “pouco”, nos nossos dias, é muito.
Referência
Smail, D. (2018). The origins of unhappiness: A new understanding of personal distress. Routledge.
Foto: Annie Spratt.
Sempre pertinente suas reflexões, Prof. Rodrigo!
Comecei minha graduação de psicologia aos 42 anos e na entrevista para a especialização me perguntaram se já havia feito psicoterapia…nunca fiz! Sempre busquei o autoconhecimento e a superação dos meus sofrimentos psíquicos em várias outras alternativas pois, a psicoterapia ainda é cara e elitista, dificultando o acesso para grande parte da população. Por isso, defendo que cada um tem múltiplas opções para sair do sofrimento psíquico, incluindo a psicoterapia. Busco a melhor formação dentro da psicologia, mas não esqueço que o ser humano tem inúmeros recursos e que nós terapeutas somos apenas, um mais.
Muito obrigado pelo comentário, Helen! É bem verdade que a psicoterapia é uma possibilidade inacessível para a maior parte das pessoas. A psicologia, para ser mais útil socialmente, precisa de outras estratégias. E sim, o conhecimento psicológico não abarca tudo que o ser humano tem de recursos para lidar com o sofrimento. Um abraço.