Ninguém precisa de terapia

É comum ouvirmos frases como: “acho que você precisa de psicoterapia” ou “todo mundo deveria fazer terapia”. Eu, como psicólogo, talvez devesse endossar isso. Mas, na verdade, não acho que ninguém precise de terapia. Pode ser que ter sessões com um psicólogo seja interessante, mas não que esse trabalho seja realizado no modelo de terapia, com todos os sentidos implícitos nesse termo.

A palavra terapia vem do grego therapeia, “curar alguém com alguma doença”. A palavra psicoterapia surgiu no século XIX juntando os termos psico e terapia, significando “influência remediativa na mente”¹. O termo descreve um processo pelo qual uma pessoa influencia a outra em aspectos mentais com o intuito de cura.

Há um pressuposto, então, que existe algo de errado com a pessoa que se submete à psicoterapia. Ela teria alguma disfunção, alguma doença ou problema que precisa ser resolvido ou curado. O psiquiatra Thomas Szasz era um grande crítico do conceito de doença mental. Para ele, essa é uma tentativa de medicalizar aspectos morais e sociais, uma vez que se coloca na mão dos médicos e profissionais de saúde a decisão do que é ou não normal. Os diagnósticos psiquiátricos, vamos lembrar, são apenas constructos, rótulos que colocamos em certos estados. Não são causas nem entidades realmente existentes, apenas descrições convenientes. Szasz fala, sobre a psicoterapia: “ficamos com o desafio de, primeiro, desmascarar a falsa conceitualização médica da psicoterapia; e, segundo, reorganizá-la numa estrutura e num vocabulário não médico, não diagnóstico e não terapêutico”. ²

Se não existe de fato nada a ser tratado, então não pode existir nenhum processo terapêutico. Não há nada a ser “terapeutizado” ou curado. Alguns psicólogos chamam as pessoas que os contratam de “pacientes”, outros “clientes”. A segunda definição é melhor, mas eu ainda prefiro falar apenas de “pessoas atendidas”. No fim das contas, o que chamamos de psicoterapia é apenas uma conversa entre duas pessoas. Se esse processo é algo que é interessante ou útil para ambas, ótimo, ele já se justifica. Mas não é preciso configurarmos esse processo como uma situação em que uma pessoa tem um “defeito” que será consertado pela outra.

Se não partirmos do modelo terapêutico, o que acontece entre um psicólogo e a pessoa atendida? As sessões continuam sendo espaços em que a pessoa pode falar, desabafar, receber um outro olhar sobre suas angústias e desenvolver sua capacidade de autoconhecimento. Não há nada a ser consertado; há muito a ser reconhecido, experimentado e vivenciado. Há uma relação de abertura, empatia, acolhimento, expressão sem julgamento e respeito. A função não é fazer com que a pessoa se torne outra, mas que ela possa viver bem e em paz com quem ela já é.

  1. Harper, D. (2019). Online Etymology Dictionary. https://www.etymonline.com/search?q=psychotherapy

  2. Szasz, T. S. (1974). The myth of psychotherapy. American journal of psychotherapy, 28(4), 517-526.

Foto: Clem Onojeghuo no Unsplash

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