Crises e oportunidades

“Se por acaso ficamos doentes, então sejamos apenas doentes. Sem fugir, sem nos enganar, enfrentando a doença com a postura correta, acolhendo-a de braços abertos. A doença nos abre as portas para uma nova vida, que não podemos enxergar quando estamos saudáveis. Desta maneira, até a doença pode se tornar agradável e gratificante. Podemos ver claramente a enorme bênção que é a vida.
Quanto mais conhecemos a dor, mais reconhecemos esse fato.
Com esta postura, é possível aceitar os momentos de doença, transformando a experiência do mal-estar num valioso recurso.”

Shundo Aoyama Rôshi

Foto: Margot Gabel
Foto: Margot Gabel

Soa banal falar que crises são oportunidades. É provável que você já tenha lido isso em algum livro de autoajuda ou em alguma revista de economia. No entanto, existem algumas verdades que são banais. Quando estou com as pessoas que atendo, vejo que essa é uma delas. Muitas mudanças se originam de um problema, de uma situação difícil — geralmente o próprio ato de procurar uma psicoterapia vem como tentativa de passar pela crise. O trabalho do psicólogo é oferecer apoio e conforto, mas sobretudo fazer com que a pessoa aproveite da melhor forma aquilo pelo que ela está passando.

Quando alguém chega no consultório com uma crise complicada, sempre me pergunto: “será que essa pessoa vai sucumbir a isso ou emergirá desse momento mais forte e mais feliz”? O esforço sempre é para que a segunda alternativa aconteça. Cada pessoa terá que encontrar o próprio caminho em meio às suas dificuldades, mas há algumas etapas que podem facilitar esse processo. São elas:

1. Conviva com os sentimentos negativos
Quando estamos em crise, queremos tanto nos livrar do que estamos sentindo que podemos ficar cegos a todo o resto. Se nossa única preocupação for acabar com aquele sentimento — algo que está fora do nosso controle — podemos ter o resultado contrário, que é prolongar a crise e não conseguir olhar para o que a situação nos mostra. Nessa hora, é importante lembrar que aquilo que estamos sentindo vai mudar, de um jeito ou de outro, mas que por um tempo vamos ter que conviver com essa sensação desagradável, que pode ser tristeza, raiva, decepção, luto. Tente enxergar esse sentimento como um companheiro que vai estar presente nesse momento, indicando o caminho para a mudança.

2. Descubra o que a situação diz sobre como você age
Existem coisas ruins que simplesmente acontecem, mas tem outras que podem dizer muito sobre a forma como vivemos. Podemos prestar atenção nas nossas atitudes que podem ter relação com as crises, especialmente quando estas são recorrentes. Será que a crise diz algo sobre a sua forma de encarar a vida? Sobre as expectativas que você cria? Sobre a forma como você se relaciona com outros? Sobre como você lida com seu trabalho? Sobre a forma como você tem tentado ficar bem? Você pode buscar, nas horas de tristeza e dificuldade, um momento de paz para que possa refletir sobre o que tem dado certo ou não na própria vida. Nós não costumamos ter essas reflexões quando está tudo bem. A crise, então, abre um espaço para que isso aconteça.

3. Tenha gratidão
Passar bem por crises significa desenvolver nossa capacidade de tolerar os sentimentos negativos, criar momentos para reflexão e de solucionar problemas. Muitas vezes, é quando conseguimos deixar para trás algo que nos fazia mal. A partir disso, é possível enxergar a situação como positiva apesar da dor que ela causa, e até agradecer por ter a oportunidade de ter mais liberdade para encaminhar a vida da forma que se deseja.

4. Tenha compaixão
Muitas das crises pelas quais passados são causadas por outras pessoas. Um familiar, um colega de trabalho, alguém com quem temos um relacionamento afetivo, ou até mesmo um desconhecido que nos faz algum mal. Se você consegue enxergar a crise como positiva, pode também ver com bons olhos quem iniciou essa crise. Além disso, em diversas situações em que somos agredidos ou atacados, quem faz isso faz por conta dos seus próprios problemas. Desenvolver uma visão mais compassiva do outro é algo que nos ajuda a tolerar a própria crise e os sentimentos negativos gerados por ela.

5. Use o que você aprendeu com a crise para mudar
A partir do momento em que você é capaz de conviver com os sentimentos negativos e reconhecer quais as atitudes que você vem tomando e que têm trazido dificuldades, há um cenário muito favorável à mudança. Além disso, quando estamos mal, temos menos a perder, então é o momento propício para fazer aquilo que sempre almejamos mas não tivemos coragem. Quanto mais perdemos, mais abertura temos para experimentar as mais variadas possibilidades.

Já tive a chance de trabalhar com pessoas que conseguiram usar momentos de crise para impulsionar mudanças incríveis nas próprias vidas. Não é um processo fácil. É doloroso e envolve abandonar muitas formas de agir mais confortáveis. Mas a recompensa é significativa para aquele que decide deixar para trás o “ruim conhecido” e se arriscar com o novo.

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