Certo dia, quando eu estava prestes a pisar numa folha seca, enxerguei a folha na dimensão suprema. Percebi que ela não estava realmente morta e que estava se fundindo com o solo úmido a fim de se manifestar na árvore na primavera seguinte em outra forma. Sorri para a folha e disse: “você está fingindo”. Thich Nhat Hanh — Vivendo Buda, Vivendo Cristo
Desde que nascemos, somos levados a acreditar que somos, de alguma forma, especiais. Há quem diga que essa ilusão de que somos o centro do universo — o ego — pode ter origem na evolução da espécie, na medida em que nos ajuda a nos proteger, aumentando as chances de sobrevivência. E, dependendo da forma como somos criados, esse senso de sermos uma entidade autônoma e independente do mundo pode ser ainda mais intensificado, levando-nos a crer que merecemos mais do que os outros. Uma criança que não é frustrada, que não recebe limites, pode se tornar um adulto que estabelece expectativas muito altas sobre tudo aquilo que ele merece obter por conta da visão que ele tem de si mesmo como excepcional.
Além disso, mesmo quando adultos, continuamos recebendo mensagens de que somos especiais. As propagandas adoram nos dizer isso. E acreditamos, mesmo sabendo que milhões de outras pessoas estão recebendo aquela mesma mensagem. Enxergamos tudo a partir da nossa visão de sermos o centro do mundo e não gostamos de ser lembrados que, para os outros, somos apenas o outro. Olhando a partir de um ângulo mais afastado, somos todos um coletivo de outros passando pela vida.
Pense numa árvore com uma grande copa. E em cada uma das folhas que formam essa copa. Agora, visualize uma única folha. Essa folha tem algo de especial? Ela tem, como vamos ver mais pra frente, mas ela não é especial em relação às outras milhares de folhas, entre as quais ela é só mais uma. Não seria estranho que aquela folha passasse a sua existência considerando-se mais do que as outras, merecedora de uma vida diferente de suas companheiras? Se essa fosse a sua expectativa, ela se condenaria à infelicidade crônica e à esperança vazia, pois por mais que ela buscasse esse tipo de afirmação, ela nunca de fato conseguiria abandonar sua condição de simplesmente ser mais uma folha.
Da mesma forma, uma pessoa pode ter status, dinheiro, poder. Mas, no fundo, ela nunca deixará de ser mais um ser humano: que sofre, que se alegra, que se angustia, que dorme, que come e que fatalmente envelhecerá e morrerá como qualquer outro ser vivo. Se olho bem, vejo que sou apenas uma folha. No ciclo natural em que existo enquanto folha até o dia em que vou amarelando e me desprendo do galho para me decompor no solo. Se eu passar a vida toda tentando ser mais do que uma folha, vou me frustrar e ainda terei desperdiçado minha oportunidade de viver conscientemente como uma folha.
Nesse sentido, experiências desagradáveis como ficar preso no trânsito, esperar numa fila, andar no meio de uma multidão ou não conseguir entrar no metrô cheio podem ser edificantes. Pois com isso podemos reconhecer nosso lugar de apenas mais um, cultivando nossa humildade.
Mas existe, na verdade, uma instância em que você é especial. Você pode se dar conta disso ao perceber seu corpo funcionando, com seu sangue correndo pelas veias, células funcionando, seu cérebro disparando impulsos nervosos, enzimas atuando… Tudo sem que você precise fazer nada! E por conta disso, você pode estar vivo. Vendo, ouvindo, sentindo, falando, indo para um lugar e para o outro, interagindo com outras pessoas, animais, plantas. Você pode dizer: “mas isso todo mundo tem”. E é bem por aí. Você não é especial em relação a ninguém, mas é especial, como todo mundo, no sentido de simplesmente estar vivo, simplesmente ser.
Quando ficamos muito focados em tentar fazer valer essa ilusão de sermos individualmente e egocentricamente especiais, perdemos de vista o encantamento com a vida, com a maravilha surreal que está nos atos mais banais que executamos — como respirar. Por isso, preste atenção na sua respiração. Sinta como seu corpo inteiro respira. Sente-se com a atenção focada na respiração por alguns minutos todos os dias. Lembre-se dela ao realizar suas atividades cotidianas. Respire de forma consciente dia após dia até que você consiga esquecer a ilusão de que apenas você é especial e entender que tudo — inclusive você — é especial.