A felicidade autêntica não está ligada a uma atividade; é um estado de ser, um equilíbrio emocional profundo atingido por uma compreensão sutil de como a mente funciona. Enquanto os prazeres ordinários são produzidos pelo contato com objetos prazerosos e terminam quando esse contato é interrompido, o bem estar duradouro é sentido enquanto permanecermos em harmonia com nossa natureza interior.
Matthieu Ricard
Se existe algo em comum a todos os seres humanos é o desejo de ser feliz. Essa aspiração pela felicidade é algo que nos une independentemente de nacionalidade, cor, crença ou classe social. Nós agimos em função desse desejo o tempo todo. Tentamos constantemente fazer aquilo que acreditamos que nos trará a felicidade. Ainda assim, parece que são poucas as pessoas realmente felizes. Isso soa estranho. Se temos esse objetivo tão claro, se fazemos tanto em prol da nossa felicidade, por que será que não conseguimos chegar lá?
Penso que existem dois aspectos do nosso funcionamento psicológico que nos atrapalham. O primeiro, bem conhecido na psicologia comportamental e bastante trabalhado na Terapia de Aceitação e Compromisso, é o fato de que aquilo que conseguimos a curto prazo exerce muito mais influência sobre nossas ações do que o que conseguimos a longo prazo.
Imagine que você se proponha a passar a comer de forma saudável. Se você conseguir fazer isso, você perderá peso, terá mais disposição e menos doenças. Mas tudo isso são vantagens que levam um certo tempo para serem obtidas. Agora, imagine que você, com esse propósito de comer de forma saudável, está com fome e tem um hamburguer caprichado na sua frente (ou, se você não gosta de hamburguer, a sua comida não saudável predileta). É difícil resistir, não é? Pois você pode ter, naquele momento, um grande prazer com o hamburger. E tudo aquilo que você poderia ganhar por se manter na dieta está dias, semanas ou meses lá na frente. É uma competição muito desigual.
O segundo aspecto que nos afasta da felicidade é uma concepção contraproducente em relação ao que é ser feliz. Nós acreditamos que ser feliz é nos sentirmos bem 100% do tempo, numa vida em que só existem prazeres e alegrias. Por conta disso, perseguimos aquilo que nos faz sentir bem acreditando que estamos perseguindo a felicidade. Mas basta olharmos de perto para perceber que muitas das coisas que buscamos para nos sentirmos bem na verdade nos prejudica, pois o bem estar que elas nos proporcionam não dura, e no longo prazo as suas consequências negativas vêm cobrar a conta.
Vamos voltar na história do hamburguer. Podemos ter prazer quando o comemos, mas teremos consequências na nossa saúde. Imagine, então, uma pessoa que abusa de substâncias como álcool ou outras drogas. Ela se sente bem por um momento, mas as consequências a longo prazo prejudicam o seu bem estar — o que leva as pessoas a consumirem mais para eliminar o mal estar provocado pelo uso anterior, e aí entra-se num ciclo que se autoalimenta chamado vício.
Suponha que uma pessoa faça coisas que não tem vontade, ou fale coisas que não pensa, para não contrariar o grupo em que está. Ela está buscando se sentir bem ao ser aceita e apreciada, mas manter esse papel acaba sendo, no fim das contas, mais pesado e desgastante do que falar “não” logo de início. Alguém que está se sentindo só pode buscar em encontros e sexo casual um alento para aquele momento, mas ao mesmo tempo isso pode dificultar o estabelecimento da relação mais duradoura que ela gostaria de ter.
Esses exemplos são especialmente verdadeiros se essas atitudes que citei se tornarem hábitos. Entretanto, não se trata de moralismo. Não estou dizendo que essas coisas são más por si só. O que é importante é entender qual a função desses hábitos na sua vida e avaliar se não é justamente a tentativa de se sentir bem que está fazendo com que você se afaste da sua felicidade. Não há nenhum problema em perseguir bons momentos se eles não comprometem a sua verdadeira felicidade e se eles não se tornam uma obsessão. Essa é a avaliação que você pode fazer consigo.
Entender bem o nosso funcionamento permite que consigamos viver de outra forma. Se compreendemos que a felicidade não significa prazer constante, podemos abrir mão das gratificações imediatas em função de viver a vida que queremos. Fica mais fácil abrir mão de um prazer momentâneo se percebemos que ele pode custar o nosso bem estar real e duradouro. Esses são passos simples de serem descritos, mas bastante difíceis de serem colocados em prática, pois requerem que nos questionemos constantemente, tenhamos disciplina e autocontrole. É uma prática para toda a vida, na verdade. Mas, se é sempre em função da felicidade que agimos, que dediquemos nossa vida então à busca de felicidade real, ou teremos gastado todo nosso tempo perdidos em prazeres momentâneos que apenas nos distraem de uma vida infeliz.
Penso sobre isso constantemente. Parece que só agora estou descobrindo aquilo que realmente gosto e me faz feliz de verdade 🙂
Isso é bom. É importante fazermos essa reflexão constantemente justamente para saber se o que acreditamos que nos faz bem realmente nos faz bem. Muito obrigado pela visita e pelo comentário!