Amar é aceitar

O amor não é um gostar perfeito. É um substantivo ativo, como esforço. Amar alguém é lutar para aceitar aquela pessoa exatamente como ele ou ela é, aqui e agora.
Fred Rogers

Quando atendo pessoas que buscam terapia de casal, é comum que a relação já esteja num ponto de grande desgaste, sendo que, em muitas vezes, já não há mais disposição ou vontade de investir no relacionamento. Os anos de mágoas e ressentimentos acumulados podem enrijecer um dos membros do casal, que vê como saída para o seu sofrimento o término do relacionamento.

Por outro lado, mesmo quando há ainda ânimo para fazer o relacionamento funcionar, geralmente os casais se apresentam com uma série de exigências em relação ao comportamento do outro. Essas demandas não aparecem só nos atendimentos de casais; é comum que terapias individuais tenham como tema central as frustrações que uma pessoa enfrenta no seu relacionamento. Nesses casos, uma análise muito importante é a que leva a entender se a frustração está no comportamento do outro ou na expectativa de quem se frustra.

Muitas relações são baseadas numa expectativa de que o outro possa atender todas as nossas necessidades, nos dando conforto, segurança e preenchendo aquele “vazio” que podemos sentir quando estamos sozinhos. Todos nós temos expectativas quanto ao relacionamento, claro, mas por vezes criamos uma imagem extremamente idealizada daquilo que o outro deve ser e, em vez de nos relacionarmos com a pessoa real, nosso relacionamento se torna uma luta para que o outro seja aquilo que desejamos. Nem é preciso dizer que isso traz muito sofrimento para ambos os lados.

Nesses casos, eu costumo fazer a pergunta: “você consegue amar essa pessoa assim como ela é?”. Com tudo aquilo que você considera negativo e positivo, sem que a base do relacionamento seja a luta para que ela se transforme em outra pessoa? Pois, na minha visão, não é possível amar sem aceitar. Quando não aceitamos, quando exigimos que o outro não seja quem ele é, estamos sendo extremamente violentos. Estamos basicamente dizendo: “você não é bom o suficiente; eu não posso amar quem você é; se você quer receber o meu amor, seja quem eu quero que você seja”. Realmente, seria muito fácil e simples amar se a pessoa correspondesse totalmente àquilo que sonhamos. Mas é bem difícil que isso aconteça, não é mesmo? Quando olhamos de perto, não é curiosa essa expectativa de que o outro tenha que se adequar a algo que nós criamos?

Você pode me perguntar se isso significa que você tem que aceitar tudo que o outro faz, inclusive quando ele pode ser agressivo ou egoísta. A minha resposta é que de maneira nenhuma você precisa aceitar algo que passe dos seus limites. Mas o que sugiro nessas situações é que os conflitos tentem ser resolvidos a partir de uma perspectiva conjunta, sem acusações ou exigências. É importante falar mais de como se sente do que dar ordens. Uma boa maneira de fazer isso seria colocando: “Eu me sinto muito magoada quando você age dessa forma. Gostaria de entender melhor o que você sente quando age assim. O que você acha de conversarmos sobre isso para achar uma forma de não nos magoarmos?”. A conversa que se segue precisa ser baseada num desejo genuíno de compreensão mútua, ou facilmente se tornará um conflito. É difícil manter a abertura para o diálogo quando estamos chateados, mas é importante.

O que pode acontecer também quando passamos a observar o outro com menos expectativas é entender que não é possível se relacionar com aquela pessoa, tal qual ela é. E tudo bem. Se a sua visão idealizada do relacionamento fez com que você estivesse insistindo em estar com alguém com quem você realmente não consegue conviver, o melhor para ambos e que cada um siga seu caminho. Não é preciso — nem saudável — tentar manter um relacionamento a qualquer custo.

Quanto enfrentamos problemas no relacionamento, então, é bastante importante que, antes de mais nada, olhemos para nós mesmos. Avaliar as nossas expectativas, projeções e desejos como algo nosso é importante, ao mesmo tempo que entendemos que o outro não tem a obrigação de dar conta de tudo aquilo que imaginamos ou esperamos. Quando percebemos que existe de fato uma dificuldade no relacionamento que não envolve apenas a nossa expectativa, uma conversa a partir da expressão e compreensão dos sentimentos e a busca de uma solução em comum, sem acusações, é um ótimo caminho antes de se chegar no ponto de constatar que o relacionamento simplesmente não está funcionando.

Foto: Bahador

O poder da espera

Você é tão jovem ainda, está diante de todos os inícios, e por isso gostaria de lhe pedir, caro senhor, que tenha paciência quanto a tudo o que está ainda por resolver no seu coração e que tente amar as próprias perguntas como se fossem salas fechadas ou livros escritos numa língua muito diferente das que conhecemos. Não procure agora respostas que não lhe podem ser dadas porque ainda não as pode viver. E tudo tem de ser vivido. Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta.
Rainer Maria Rilke

Numa época em que temos quase tudo instantaneamente, parece ser cada vez mais difícil esperar. Através de celulares, computadores, tablets, qualquer informação e o contato com qualquer pessoa está ao toque dos dedos. Não só queremos, como também somos cobrados por respostas imediatas aos pedidos de outras pessoas. E ainda nos perguntamos por que estamos mais ansiosos do que nunca.

Imagine uma criança que consegue tudo o que deseja de maneira imediata. O que você acha que acontecerá com essa criança conforme ela cresce? Sim, ela será impaciente e mimada. Ser capaz de esperar é algo que precisa ser aprendido. Se você teve pais que lhe ensinaram a esperar, muito bom. Mas você pode estar minando essa capacidade ao ser indulgente com a possibilidade de ter qualquer coisa agora e ao reagir instantaneamente a tudo.

Não quero dizer que não devamos aproveitar das possibilidades que a tecnologia nos traz, incluindo a possibilidade de ter informações instantâneas e poder estar em contato com outras pessoas a qualquer momento. Mas vale a pena uma reflexão para entender quais as consequências dos hábitos que temos. Reclamamos da ansiedade, da angústia, mas paramos pouco para avaliar de que forma estamos contribuindo para o surgimento e manutenção das nossas dificuldades.

A nossa incapacidade de esperar não nos deixa apenas ansiosos e irritados no dia a dia. Ela também afeta nossa capacidade de decidir os rumos da nossa vida de forma mais consciente. Quando não esperamos, tendemos a agir apenas para nos livrar do sofrimento imediato, levando a atitudes impulsivas e que, no fim das contas, pode criar novos problemas e não resolver aquele se que pretendia. Além disso, continuamos vulneráveis à angústia, ao alimentar a “criança mimada” dentro de nós.

Para recuperar nossa capacidade de esperar, precisamos treinar e cultivar a paciência. Podemos, por exemplo, ter momentos do dia em que nos desconectamos, desligando o celular. Podemos fazer isso na hora do almoço, ao dar uma volta ou no fim do dia, priorizando o contato com a família e amigos. Podemos, também, deixar que nossas emoções intensas se dissipem antes de decidir como reagir a uma situação delicada. E, nas situações em que somos forçados a esperar, como numa fila ou no trânsito, podemos apreciar o que temos à nossa volta, sem pressa. Afinal de contas, cada momento é único e precioso, ainda que ele não seja do jeito que gostaríamos.

Foto: Ah Wei

A mente é como um rádio

A mente pode ir em mil direções, mas nesse belo caminho, eu ando em paz. Com cada passo, o vento sopra. Com cada passo, uma flor desabrocha.
Thich Nhat Hahn

Você já parou para pensar como a linguagem é útil no nosso aprendizado? É através dela que passamos a saber a maior parte daquilo que devemos fazer para produzir certos resultados e evitar outros. Se não tivéssemos essa ferramenta, teríamos que aprender tudo pela própria experiência. O conhecimento não poderia ser passado de geração para geração e cada pessoa teria que redescobrir tudo sobre a vida. Não é à toa que o desenvolvimento da humanidade passou a realmente ser significativo quando o ser humano começou a criar símbolos, usados para a fala e a escrita.

Desde cedo, aprendemos a valorizar muito do que ouvimos, pois assim conseguimos lidar com muito mais situações do que se só aprendêssemos na experiência. Ouvimos dos nossos pais: “não faça isso, ou você vai se machucar”. E eventualmente percebemos que é verdade, o que geralmente é fortalecido por um “eu não disse?”. A linguagem ajuda a descrever o mundo, a prever consequências, a reagir antecipadamente a eventos. Ela é tão poderosa que podemos ter reações emocionais mesmo que nunca tenhamos passado pelas circunstâncias que ela descreve (imagine uma criança assustada ao ouvir uma história de terror).

E é justamente porque a linguagem é tão útil e poderosa que ela também nos traz problemas, pois passamos a confiar excessivamente naquilo que ouvimos. Além disso, não é apenas o que é dito pelos outros que nos influencia: criamos as nossas próprias regras sobre a realidade, regras que dificilmente testamos ou contestamos. Muitas dessas regras podem ser irreais ou desatualizadas. Imagine uma criança que, por alguma crítica ou dificuldade que enfrenta, pensa: “eu não sou capaz”. Essa regra sobre si mesma pode permanecer até a idade adulta e influenciar suas atitudes, mesmo que novas circunstâncias surjam para desmentir essa regra. É bem comum que continuemos agindo de acordo com essas perspectivas, pois mais que a vida dê sinais de que aquilo não é mais verdade — e talvez nunca tenha sido.

Nós temos dificuldade em enxergar que a nossa mente — e os pensamentos que produzimos — com crítica. Acreditamos piamente em tudo aquilo que pensamos. Parece que se a linguagem está dentro da nossa pele, ela é totalmente verdadeira. Mas por que seria? Entre outras coisas, nossa mente está o tempo todo buscando nos proteger. Por conta disso, ela pode ser catastrófica, ansiosa, exagerada. Pense nela como um rádio que toca incessantemente. Qual é programação que estaria na sua mente-rádio? Um programa de notícias ruins, que desperta medo? Um programa de histórias do passado que sempre traz arrependimento e tristeza? A transmissão de um julgamento em que você é sempre o réu, por tudo o que faz de errado?

Infelizmente não há um botão que possa facilmente desligar esse rádio. Uma das maneiras de aprender a lidar com isso é ter consciência e lembrar, sempre que possível, que você está apenas ouvindo rádio. Eventualmente, ele fornecerá informações úteis, mas, na maior parte do tempo, é apenas a programação que foi montada ao longo da sua vida, se repetindo dia após dia. O nosso desafio é conseguir viver em contato com a nossa experiência, as nossas sensações e os nossos valores, independentemente do que esteja tocando no rádio.