Metas, objetivos e mudanças

Enquanto você estiver tentando ser mais magra, mais inteligente, mais iluminada, menos tensa ou o que quer que seja, de alguma forma você está abordando seus problemas com a mesma lógica que os criou: você não é boa o suficiente. É por isso que o padrão habitual nunca se resolve quando você está tentando melhorar, porque você segue lidando com as coisas exatamente da mesma forma que fez com que a dor começasse.
Pema Chödrön

Muitos dos problemas que temos com nós mesmos — ansiedade, estresse, frustração — estão ligados com a forma pela qual nos encaramos e encaramos a nossa vida. Nosso padrão ocidental de pensamento é muito apoiado na falta e na idealização. Esse padrão é bastante visível quando condicionamos mudanças a metas e objetivos.

Acreditamos que, para mudar, precisamos saber precisamente onde queremos chegar. Isso significa que criamos uma versão idealizada de nós mesmos. Esse nosso eu melhorado pode ter um corpo diferente, mais dinheiro, mais sucesso profissional, um relacionamento perfeito. Se você parar um pouco pra pensar, verá que provavelmente tem essa sua versão ideal já construída.

Passamos, então, a nos comparar o tempo todo com esse eu ideal. Como não estamos ainda nesse patamar que imaginamos, nos sentimos mal com o que somos atualmente: tristeza e baixa autoestima. Mas acreditamos que existe um método para chegar nesse ponto idealizado: metas e objetivos. Construímos esse método e nos colocamos a perseguir esse paraíso pessoal. Ou seja, decretamos que somos ruins e focamos nossa vida na tentativa de suprir uma falta, esse espaço que separa o que somos hoje daquilo que achamos que deveríamos ser. Não é à toa que nos sentimos frustrados, ansiosos e estressados: estamos o tempo todo nos comparando com uma perfeição imaginária. Cruel, não?

Mas acreditamos tanto nesse modelo que nos sentimos mal quando, por acaso, não temos esse eu ideal imaginado. Algumas pessoas que já atendi tinham justamente essa queixa: “não sei o que quero da vida”. Procuramos avidamente esse ideal que teremos como norte, ainda que ele nos condene à insatisfação perpétua.

Você pode argumentar que os objetivos são necessários; que não podemos chegar a lugar algum sem ter um objetivo; e que se não tivermos objetivos, nos tornaremos preguiçosos ou ociosos. Eu diria, em resposta, que nós podemos ser tão ou até mais capazes e criativos sem objetivos. Por exemplo, vamos supor que eu goste de poesia, e que ela esteja no centro dos meus interesses. Posso encarar esse interesse através de uma mentalidade focada em objetivos: penso que quero ter um livro publicado, escrever 100 poemas em um ano, ser convidado para uma sociedade de poetas. É possível que esse foco me leve a conseguir tudo isso. Mas, até que eu consiga (e caso eu consiga), enquanto não tiver chegado lá, estarei insatisfeito e estressado, pois estarei correndo atrás daquilo que acredito que me falta. Pois esse modelo só permite dois desfechos: ou eu consigo ou não consigo. E, quando não conseguir, mesmo que seja por pouco, vou me sentir mal e frustrado. Mesmo que atinja meus objetivos, terei esquecido do sentido da poesia na minha vida; ela se tornou um aspecto secundário frente ao cumprimento das minhas metas pessoais. E ainda é possível que eu não tenha nenhuma satisfação duradoura mesmo ao atingir as metas, pois, como minha mente está sempre funcionando na perspectiva da falta, pode ser que eu imediatamente crie novas metas ao cumprir as antigas.

Por outro lado, posso não estabelecer metas e simplesmente fazer o que gosto: escrever poesias. Como é algo que me interessa, farei isso naturalmente. Escreverei quando estiver inspirado, no ritmo em que eu quiser. Cada poema que escrevo não é um passo para lidar com uma falta, é um degrau construído além do que já sou hoje. Já estou satisfeito com o que sou, e fico ainda mais satisfeito com meu novo poema. Eventualmente, os resultados podem aparecer: posso ser convidado a publicar um livro, a apresentar meus poemas num recital etc. Como não estou no modelo mental fechado, em que as metas são ou não atingidas, estou aberto ao que vier. Vivo pelo processo e percebo que os resultados são uma consequência natural. Minha vida se torna aberta, flexível e positiva.

O fato é que nossa perspectiva ocidental faz com que tenhamos muito medo de deixar as coisas mais soltas — e isso inclui nós mesmos. Temos medo de nos perder nesse processo, de perder nossa identidade. Temos receio de que vamos derreter como uma ameba se não nos colocarmos num padrão de cobrança e insatisfação. É como se criássemos uma jaula mental e nos colocássemos dentro dela, pois ela nos dá uma ilusão de segurança. Nos prendemos voluntariamente, pois pelo menos sabemos onde estamos. A jaula, no entanto, não tem tranca, a única tranca é a que nós mesmos criamos. É possível sair a qualquer hora e explorar o que há por aí. Para isso, o único custo é enfrentar o medo de se perder.

O estresse de fim de ano e nossa ideia de sucesso

O fim do ano, apesar de ser um momento de festas, comemorações e férias é sempre associado com o estresse. Pois parece que é muito difícil para nós prepararmos o nosso descanso e as nossas celebrações sem transformar esse processo em um peso. Talvez descansássemos mais se não tivéssemos esses momentos de lazer — e aí não precisaríamos nos preocupar tanto com o que faríamos para relaxar e descansar.

O estresse do fim do ano está relacionado com diversos fatores, em especial o consumismo, que determina que essa é uma época a comprar e gastar, como se o nosso afeto e amor por familiares e amigos só pudesse ser provado por meio de algo material. Mas há também um aspecto secundário que está presente não apenas nessa época mas em todo o ano, que pode ser exemplificado pela frase, tão comum: “estou na correria”. Esta parece ser uma resposta padrão à pergunta: “como você está?”.

Responder que se está na correria pode ser uma desculpa para não alongar uma conversa ou aceitar um convite para sair. Mas, na verdade, demonstra um certo valor atual, que é a glorificação do estar ocupado. Nós enxergamos como bem sucedidas as pessoas que têm destaque na sua vida profissional. E as pessoas que têm esse destaque parecem ter que estar sempre ocupadas; por serem importantes, estão sempre sendo requisitadas e consultadas. Dizer, então, que está ocupado passa uma impressão de importância e funciona como uma afirmação do ego, a partir do que é valorizado na nossa sociedade.

Nesse contexto, estar “estressado” é visto como algo positivo. Se estamos estressados, é porque somos muito cobrados, exigidos, e num contexto profissional, isso significa que somos importantes, mesmo que essa afirmação egoica nos custe a nossa saúde mental e física. Obviamente, nem todos valorizam o estresse ou o fato de estarem constantemente ocupados. Muitas pessoas de fato estão sobrecarregadas e infelizes com essa situação. Como terapeuta, atendo muitas pessoas que trabalham no mundo corporativo e tentam achar uma saída para a ansiedade e o estresse, ao mesmo tempo em que dão conta de um ambiente extremamente aversivo, em que não há espaço para flexibilidade, pausas ou relaxamento — tudo isso é visto como fraqueza, já que acima de tudo estão os resultados da empresa. Geralmente não há saída fácil, e a difícil passa por uma reflexão profunda sobre o que se quer fazer com a própria vida, entendendo os custos que viver num ambiente pouco saudável pode trazer.

Fico feliz quando vejo que algumas pessoas resolvem mudar de vida, embora a maioria permaneça presa numa espiral de cada vez mais trabalho, que é recompensado com mais dinheiro, mas também menos tempo e menos capacidade de aproveitar o momento. Nesses casos, o que se ganha é usado para buscar uma compensação, por meio de bens materiais. Entretanto, isso não parece ser o suficiente, pois de nada adianta usar o dinheiro sem conseguir parar e olhar para tudo que se tem. O olhar, quando se está preso nessa espiral, é sempre ávido e para a frente, focado na próxima coisa a se “conquistar” como prêmio de consolação pelas horas de vida que não voltarão mais.

Voltando à pergunta: “como você está?”. Se alguém respondesse de outra forma, por exemplo, dizendo: “não tenho feito muita coisa, ando apenas aproveitando a vida”, provavelmente causaria estranheza. Talvez até um julgamento negativo, pois temos certa aversão ao ócio. Somos levados a acreditar que é essencial ter uma semana de trabalho de 40 horas, e que parar para descansar e aproveitar a vida sem antes ter se matado de trabalhar é preguiça ou irresponsabilidade. Mas é estranho que precisemos estar sempre nos ocupando, adiando eternamente o momento de parar e viver de fato; pois de que serve todo esse sacrifício se não paramos nunca? Ou, se apenas nos permitimos parar depois de expiar nossa culpa gastando nosso tempo em atividades sem sentido?

Se o fim do ano é a hora de parar para pensar, talvez pudéssemos aproveitar esse momento para reparar em quais valores absorvemos, sem nem mesmo perceber, e incorporamos às nossas vidas. E, independentemente da sua religião ou crença, podemos refletir na ironia no que fazemos para celebrar o nascimento de Jesus, cujas palavras foram: “Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mateus 16:26).

Carl Rogers

Nos meus primeiros anos enquanto profissional, eu me perguntava: como eu posso tratar, curar ou mudar essa pessoa? Agora, eu colocaria essa pergunta da seguinte forma: como eu posso ter com essa pessoa uma relação que ela possa usar para o seu próprio crescimento pessoal?
Carl Rogers

Carl Rogers foi um psicólogo americano que viveu entre 1902 e 1987, bastante influente e reconhecido por ter ideias humanistas sobre as relações de ajuda, como a entre terapeuta e paciente ou entre a um professor e seu aluno.

Na psicologia clínica, existem diversas formas de entender o paciente e de se trabalhar com ele. Rogers, na sua trajetória profissional, questionava as perspectivas mais influentes — e que até hoje mantém a polarização em alguns países, como o Brasil — da psicanálise, por ser pouco afeita a demonstrar sua efetividade; e a psicologia comportamental, que para ele era pouco humana. A partir dessa perspectiva, Rogers criou a abordagem centrada na pessoa, sendo uma das linhas da psicologia humanista. O argumento dele era de que para realmente ajudar o outro, é preciso fazer isso através de uma relação genuína, honesta e igualitária. Sendo assim, uma relação em que o terapeuta é o dono da verdade e o paciente é alguém que está “errado” e precisa ser “consertado”, não tem lugar, sendo que o mesmo vale para a educação.

Tornou-se mais fácil para mim aceitar-me a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente imperfeito e que, com toda a certeza, nem sempre age como eu gostaria que agisse. Tudo isso pode parecer uma direção muito estranha a seguir. Parece-me que é válida pelo curioso paradoxo que encerra, pois, quando me aceito a mim mesmo como sou, posso mudar. (…) Não podemos mudar, não podemos nos afastar do que somos enquanto não aceitarmos profundamente o que somos.
C.R.

Rogers parte do princípio de que é a própria relação terapêutica que promove mudanças na terapia, mais do que as técnicas ou abordagem do terapeuta, um conceito que já foi demonstrado por estudos científicos. No entanto, a relação terapêutica de Rogers é baseada na aceitação e na empatia, a fim de que a pessoa possa se tornar o que ela é — e não um eu “ideal” normatizado a partir de expectativas e padrões externos. Parece que Rogers se torna cada vez mais relevante, quando pensamos na crescente medicalização da saúde mental e da educação, em que nas clínicas e nas escolas o mote é fazer com que as pessoas e as crianças se encaixem num padrão de normalidade, ainda que para isso tenham que recorrer a medicamentos.

A nossa primeira reação à maior parte das afirmações que ouvimos dos outros é uma apreciação imediata, é mais um juízo do que uma tentativa de compreensão. Quando alguém exprime um sentimento, uma atitude ou uma opinião, a nossa tendência é julgar imediatamente, na maioria das vezes: “é justo”, ou “que estupidez!”, “não faz sentido”, “é falso”, “não está certo”. Raramente permitimos a nós mesmos compreender precisamente o que significa para essa pessoa o que ela está dizendo. Julgo que essa situação é provocada pelo fato da compreensão implicar um risco. Se me permito compreender, na realidade, uma outra pessoa, é possível que essa compreensão leve a uma mudança. E todos nós temos medo de mudar.
C.R.

Na formação em psicologia, tendemos a ser muito divisionistas. Quem é de uma abordagem, só lê material daquela abordagem, o que dificulta o diálogo e faz com que os profissionais formem “guetos” de atuação. Eu tento ser simplesmente psicólogo e, embora no momento utilize uma linha de trabalho, busco me manter aberto a outras formas de pensar e de trabalhar. Essa abertura valeu a pena ao ler Rogers, pois o que ele diz é valioso para qualquer um que atue em relações de ajuda e, por que não, para qualquer ser humano que conviva com outros, como mostram as citações de Rogers que ilustram esse artigo.

Posso aceitar a pessoa como ela é? Ou poderei apenas acolhê-la condicionalmente, aceitando alguns aspectos da sua maneira de sentir e desaprovando outros, implícita ou abertamente? Segundo a minha experiência, quando uma atitude é condicional, o paciente não pode mudar nem desenvolver-se nesses aspectos que não sou capaz de aceitar completamente. E quando — mais tarde e, algumas vezes, tarde demais — procuro descobrir por que fui incapaz de aceitá-lo em todos os aspectos, verifico normalmente que foi porque tive medo ou porque me senti ameaçado por qualquer aspecto dos seus sentimentos. Para poder prestar uma maior ajuda é necessário que eu desenvolva a mim mesmo e aceite esses sentimentos em mim mesmo.
C.R.