Use o estresse e a ansiedade como aliados

Se ter sintomas de estresse e dificuldades emocionais é uma parte integral de ser humano, então está terrivelmente errado usar a ausência de sintomas como um critério para saúde psicológica. (…) Nunca se demonstrou que tratamentos focados em eliminar sintomas de fato os eliminam. Uma forma melhor de descrever os resultados desses tratamentos é que eles reduzem os sintomas para baixo de um nível arbitrariamente estabelecido que divide o que é normal ou não. Só que essa redução nunca foi associada com resultados da vida real, como a probabilidade de retornar ao trabalho, melhora nos relacionamentos ou na integração com a comunidade. (…) Na perspectiva da terapia de aceitação e compromisso, o foco é viver uma vida de acordo com os valores pessoais, mesmo que isso cause sintomas emocionais. Kirk Strosahl

Bernard Goldbach
Bernard Goldbach

Uma das percepções mais inadequadas que temos em relação às nossas emoções e sensações negativas é que elas são ruins e devem ser eliminadas. Acreditamos que, só quando não sentirmos mais estresse, ansiedade, tristeza ou frustração, estaremos bem. A partir dessa concepção, usamos uma série de estratégias para nos livrar desses sentimentos, ou “sintomas”. É comum recorrer a substâncias — como álcool, maconha e medicamentos — ou comer, trabalhar e jogar em excesso, na esperança de não sentir aquele incômodo. Mas, ao focar nos sintomas sem olhar para as suas causas, estamos errando o alvo. Quanto nos sentimos irritados, tristes, ansiosos ou frustrados, isso é um sinal de que há uma discrepância entre o que estamos vivendo e como gostaríamos que a vida fosse. A tristeza pode surgir das perdas que enfrentamos ao longo da vida. A ansiedade aparece quando nos deparamos com situações que acreditamos que teremos dificuldade em superar. O estresse pode ser um indicativo de que estamos recebendo mais pressão do que aquela com que conseguimos lidar. Só que ao invés de termos a resposta automática de remover esses sentimentos podemos olhar para aquilo que o estresse, a tristeza e a ansiedade estão nos apontando e encará-los como aliados. Como? 1. Use os sintomas como um guia para mudança. Tente entender o que os sintomas estão lhe dizendo. Se você tem os mesmos sentimentos negativos constantemente, é sinal de que existe algo na sua vida que não está bom de forma quase permanente. Em vez de tentar o sentimento, use-o como uma lanterna para iluminar o problema real. Pode ser um emprego, um relacionamento, um problema mal resolvido com a família. Pode ser que você consiga fazer isso por conta própria, ou talvez você precise de ajuda, como a de um psicoterapeuta. Ao compreender a raiz do problema, você pode fazer alguma coisa sobre ele. 2. Às vezes, mudanças podem gerar sintomas. As dificuldades podem aparecer justamente quando estamos buscando alguma mudança. Tentar lidar de uma forma diferente com o seu trabalho ou a sua família pode causar dificuldades. Talvez você encontre pessoas resistentes à sua mudança. Talvez você sinta ansiedade ao arriscar algo que nunca tentou antes. É importante perceber, nesses momentos, que os sintomas emocionais são justamente o indicativo de que você está avançando, como uma espécie de dor do crescimento. Eles são saudáveis. 3. Ajuste suas expectativas. Há situações que nos causam sofrimento e cuja resolução está fora do nosso alcance. Por exemplo, quando perdemos algo, como uma pessoa ou uma oportunidade, ou quando os outros não agem da forma como gostaríamos. Nesses casos, a mudança necessária é o ajuste das nossas expectativas em relação ao mundo. Isso envolve a aceitação de que não podemos voltar no tempo e que as pessoas à nossa volta estão simplesmente sendo elas mesmas, por mais que isso possa nos desagradar. Viver numa fantasia de que tudo deveria ser como desejamos é algo que pode causar muito estresse. Por fim, é importante não termos essa visão de que uma pessoa saudável é uma pessoa que não sofre, que não sente nada negativo. Viver causa dificuldades, incômodos e sofrimento. Sentir tristeza, raiva e frustração significam, simplesmente, que seu coração está batendo. Referência Strosahl, K., Robinson, P., & Gustavsson, T. (2012). Brief interventions for radical change: Principles & Practice of Focused Acceptance & Commitment Therapy. Oakland: New Harbinger.

Vitórias e derrotas

Vinoth Chandar
Vinoth Chandar

Triunfar sobre a natureza e sobre si mesmo, sim. Sobre os outros, nunca.
B. F. Skinner

Nossa sociedade pode ser bastante competitiva. Especialmente se vivemos em uma cidade grande ou se trabalhamos em certas áreas, como o mundo corporativo. Lutamos para nos sobrepor a outros a fim de conseguir aquela promoção, uma vaga no vestibular, um lugar no metrô, um espaço no estacionamento do shopping. Queremos que o nosso time vença, que o nosso candidato ganhe as eleições. Esse clima de competição fez com que a vitória fosse vista como algo essencialmente positivo e desejado. Mas quais as consequências disso para o nosso bem estar?

Vencedores são exaltados na nossa cultura. Mas, na maior parte das vezes, para que alguém vença, alguém tem que perder. Em algumas situações, um vencedor implica em muitos perdedores. Então, é impossível vencer sempre — na verdade, perdemos a maioria das disputas em que entramos. Competir significa estar numa situação que provavelmente nos levará a experimentar sentimentos de tristeza, decepção, frustração, causando impacto na nossa autoestima.

Os vitoriosos causam ódio,
E dormem mal os derrotados.
Só dorme bem quem for pacífico.
De lado a vitória e a derrota!
Buda

Mesmo o vitorioso não obtém a paz: ao triunfar sobre outros, ele atrai sentimentos negativos sobre si, como a raiva ou a inveja. E a tendência do vitorioso é querer se manter vencendo, o que o colocará em um estado de tensão e ansiedade constantes, com medo de perder sua posição. Perda que inevitavelmente ocorrerá; e a derrota, então, terá um peso maior ainda. A solução é se abster de competir: não buscar ganhar e não se sujeitar a perder.

A escolha que temos, então, é entre buscar a vitória ou ficar em paz. Ficar em paz pode significar dizer não para muitos valores que a sociedade tenta nos impor — como a ideia do vitorioso. Pode significar também enfrentar uma certa medida de incompreensão das pessoas à nossa volta. Mas, como disse o Adoniran Barbosa: bom de briga é aquele que cai fora.

Referências
Darmapada. (2009). Tradução: Fernando Cacciatore de Garcia. São Paulo: L&PM.
Skinner, B. F. (1990). Walden II: Uma sociedade do futuro. São Paulo: Saraiva.

Entendendo a ansiedade: evolução

5716605549_2a992625de_zPara aprender a lidar com a ansiedade, precisamos entendê-la. Como tudo que acontece conosco, podemos relacionar a ansiedade a fatores ambientais, culturais e orgânicos. Considerando o a área orgânica, uma das perspectivas que acho mais úteis para compreender a ansiedade é enxergá-la do ponto de vista evolutivo, ou seja, da influência da carga genética dos nossos ancestrais no nosso comportamento.

Psicólogos evolucionistas (…) olham para a função de um determinado medo, tentando determinar como ele pode ter servido para guiar ou proteger o indivíduo em certas situações. O fato é que no contexto da Idade da Pedra, as neuroses eram adaptativas. A altura era perigosa, comida estragada poderia estar contaminada, era arriscado ofender estranhos ameaçadoras, você não iria querer cruzar um campo aberto onde leões poderiam vê-lo e você poderia se salvar de morrer de fome acumulando comida para o inverno. Quem sobreviveu na Idade da Pedra foi o neurótico, por causa das suas ansiedades. Quem não era ansioso o suficiente simplesmente não sobreviveu.
O problema é que as ansiedades que já nos serviram não funcionam mais. Nós herdamos um conjunto de respostas psicológicas e biológicas que não é muito útil para as necessidades da vida atual.
Robert Leahy

A espécia humana, como é hoje, tem cerca de 50 mil anos. Quer dizer que o nosso organismo — e muito do nosso comportamento que é determinado geneticamente — foi moldado por um ambiente muito diferente daquele em que vivemos. No ambiente pré-histórico perigoso e com recursos escassos, fazia muito sentido ser medroso e ansioso: qualquer deslize poderia significar a perda da vida.

Hoje não precisamos mais nos preocupar em cruzar com um leão faminto, mas continuamos procurando por potenciais perigos: posso perder o emprego, posso ficar sozinho, posso não ter o que comer, posso ser assaltado etc. Somos neuróticos por natureza. Temos uma tendência natural a ver perigo em tudo. Uma das funções básicas do nosso cérebro é procurar problemas em toda a parte — e tentar resolvê-los. Daí a nossa ruminação constante sobre tudo o que pode dar errado e o que fazer em cada cenário catastrófico que montamos na nossa cabeça. Parece não importar muito que 99,9% de tudo que imaginamos não chegue realmente a acontecer.

Acho particulamente interessante lembrar do aspecto evolutivo porque muitas das pessoas ansiosas que atendo acham que só elas funcionam daquela forma. “Outras pessoas funcionam como eu?” ou “alguém mais se preocupa tanto quanto eu?” são algumas das perguntas que ouço. A resposta é que sim, somos naturalmente ansiosos. Esse é um primeiro passo para entender que a ansiedade tem uma razão de ser, que é nos proteger. O problema é que ela, na maior parte das vezes, tenta nos proteger de perigos exagerados ou irreais. Sabendo disso, podemos, com um pouco de treino, perceber quando a nossa ansiedade é justificada ou não.

Referência:
Leahy, R. L. (2009). Anxiety free: Unravel your fears before they unravel you. Carlsbad: Hay House.