Uma vez, eu estava questionando as expectativas que uma paciente que eu atendia tinha sobre as outras pessoas mudarem. Ela respondeu de forma bastante franca: “você tem expectativa de que eu mude; por que eu não posso ter a mesma expectativa em relação aos outros?”. Era uma boa resposta. Argumentei que a nossa situação era diferente, pois ao procurar terapia ela estava, de certa forma, dizendo que queria mudar, então seria natural que eu esperasse isso dela. Por outro lado, as pessoas na vida dela não estavam, necessariamente, pedindo a ela ajuda para mudar.
Esse diálogo, no entanto, serviu para que eu percebesse o quanto um terapeuta e seu (ou sua) paciente estão no mesmo nível. O terapeuta pode ter as mesmas atitudes que ele procura mudar na pessoas atendida. Além disso, de forma mais ampla, ambos estão procurando formas de viver bem, de diminuir o sofrimento, de serem felizes. Muitas vezes, quando o paciente está sofrendo, se vê sem saída, o terapeuta se vê na mesma situação. Quando as técnicas falham e o cliente não sai do lugar, o psicólogo pode experimentar na própria pele a angústia que a pessoa atendida vem sentindo há tempos.
Na faculdade, pela forma como a psicologia é ensinada, temos a ideia de que ao nos formarmos psicólogos, estaremos num nível diferente daquele que nos procura. Pensamos que, por conta do nosso conhecimento, entendemos mais sobre a vida, a personalidade, o comportamento, nos colocando num patamar acima dos outros. Imaginamos que, do alto da nossa sabedoria, sobre os ombros dos mestres como Freud, Jung, Skinner, Rogers, estenderemos a mão para quem nos pede ajuda e curaremos a angústia do outro facilmente.
Basta um pouco de prática para perceber o quanto estávamos enganados. Logo nos damos conta que na psicologia as coisas não são tão exatas, que as técnicas não são assim tão poderosas, e que as dificuldades que as pessoas apresentam são muito mais complexas do que aquelas que os livros nos contam (e geralmente os livros só falam dos casos em que tudo dá certo!). Hoje temos acesso à literatura científica com seus milhares de estudos randomizados e controlados, suas revisões sistemáticas. Contudo, todo esse conhecimento — embora extremamente útil para sabermos o que é mais ou menos efetivo em termos gerais — não nos diz muita coisa sobre aquele indivíduo específico que está na nossa frente. Não importa quantas pessoas já atendemos no passado: com cada pessoa que nos procura, começamos sempre do zero.
Tudo isso poderia ser um grande problema, mas na verdade é uma ótima oportunidade para que o psicólogo — assim como qualquer outro profissional de saúde ou que lide com pessoas — desenvolva uma forma mais humana de trabalho: uma relação horizontal com seu paciente, falando de igual para igual. Afinal de contas, ambos têm o mesmo objetivo: que o cliente se sinta melhor, atinja seus objetivos, saiba lidar melhor com a vida e aproveitá-la. Se o psicólogo consegue abandonar essa posição superior ilusória, assumindo que ele não é o dono da verdade, e estabelecer uma aliança com seu paciente, ambos têm a ganhar. Nessa aliança, cada um tem seu papel, que são igualmente importantes.
Isso pode se aplicar para a vida como um todo, não apenas para esse tipo de relação. Pois, apesar de nos vermos como muito únicos, nós somos todos muito parecidos. Todos nós queremos a mesma coisa, a felicidade. Nossas alegrias são semelhantes: pela paz, por estar no meio de pessoas queridas, pelas conquistas profissionais. Sofremos da mesma forma, pelos mesmos motivos: perdas, frustrações, ao sermos injustiçados ou atacados. Todos nós sentimos fome, rimos e choramos. Se conseguirmos enxergar que o outro — mesmo aqueles de quem não gostamos — são tão humanos quanto nós e têm as mesmas dores, os mesmos medos, é possível ter uma atitude mais pacífica. E a contrapartida também é válida: ao nos permitirmos sentir dúvida, medo, angústia, incerteza, mesmo quando estamos numa posição em que acreditávamos que esses sentimentos não deveriam existir, podemos ter uma relação mais equânime com os outros e ficar um pouco mais em paz com nós mesmos.
Excelente, Rodrigo! Compartilho dos mesmos sentimentos e idéias. Os psicólogos não são os donos de um saber absoluto nem temos todas as repsostas para tudo. E ao longo da nossa vida profissional vamos cada vez mais descobrindo isso e aprendendo a como lidar com nossas prórpias limitações.
Sensacional o texto, Rodrigo!