As limitações do mindfulness ocidental

As práticas de mindfulness têm recebido muito destaque como um meio de solucionar diversos problemas psicológicos, trazer bem-estar e felicidade. Temos visto o emprego de técnicas de meditação e desenvolvimento de atenção plena — um sinônimo de mindfulness — em centros de saúde, empresas, escolas e até presídios. O mindfulness tem sido encarado como uma panaceia, a partir das melhoras que podemos observar nas nossas próprias vidas quando começamos a praticá-lo. Entretanto, o que a ciência tem dito a respeito?

Uma meta-análise — uma pesquisa que reúne diversas pesquisas — realizada em 20131 mostrou que programas de tratamento baseados em mindfulness foram efetivos para melhorar sintomas de ansiedade, depressão e estresse. Entretanto, o programa de mindfulness não foi melhor do que a terapia convencional ou tratamento medicamentoso. Outra meta-análise, dessa fez feita em 20142, também chegou a resultados semelhantes para depressão e ansiedade, mas não para estresse. Os pesquisadores também investigaram efeitos sobre a qualidade de vida no geral e outros aspectos, como sono e alimentação, não encontrando evidências, até esse momento, de impacto nessas áreas. Em termos científicos, mostra que a prática é uma alternativa a se considerar para reduzir os sintomas de alguns quadros, mas está longe de ser uma solução milagrosa para tudo.

Pior, um estudo de 20143 mostrou que praticar meditação antes de entrar numa negociação faz com que as pessoas obtenham resultados piores nessa negociação do que pessoas que não meditaram. Esse resultado pode nos colocar uma pulga atrás da orelha: seria possível que as companhias utilizassem as práticas de mindfulness para terem empregados mais passivos e subservientes? E por que as práticas de mindfulness, que associamos com a felicidade — o monge budista Matthieu Ricard foi denominado “o homem mais feliz do mundo” — não estão nos tornando pessoas mais felizes?

Uma resposta possível estaria no fato da cultura ocidental ter se apropriado da atenção plena extirpando-a do seu contexto cultural e moral. O mindfulness vem sendo divulgado como um fim em si mesmo. Removida do seu contexto espiritual, muitas vezes ela é vista apenas como um “prestar atenção” ao fazer as coisas ou manter a mente no presente. Na nossa perspectiva ocidental, muito voltada à resolução de problemas e pouco voltada à contemplação, as práticas de meditação podem ser vistas como mais uma ferramenta para um determinado objetivo, o que não promove uma mudança de perspectiva profunda.

Entretanto, quando pensamos no contexto budista, percebemos que a atenção plena é muito mais do que um simples prestar atenção. A ideia do mindfulness é lembrar-se e utilizar a atenção plena a fim de entender melhor o próprio sofrimento, para que se possa avaliar as suas causas e entender quais escolhas estão contribuindo para o nosso sofrer. Thich Nhat Hanh4 fala sobre os alimentos mentais, e como aquilo que consumimos pode nos fazer mal. Somente com atenção plena podemos fazer escolhas melhores a cada momento em relação ao que estamos consumindo.

No budismo, não existe apenas o conceito de atenção plena, mas também de atenção plena correta, ou seja, parte de uma prática para realmente lidar profundamente com a questão do sofrimento. A atenção plena está inserida num amplo contexto espiritual e moral, associada a conceitos como compaixão e sabedoria. Para se viver melhor, não basta prestar atenção; existe um caminho que envolve aquilo que se diz, o que se faz e até como se pensa.

Falar de práticas de mindfulness fora desse contexto é quase como sugerir a uma pessoa que não é cristã que ela deve usar a oração para melhorar seus sintomas de ansiedade e depressão. Pode até ser que a prática em si traga algum benefício, mas ela estará apenas raspando a superfície de tudo aquilo que ela representa e oferece no seu contexto original.

A nossa apropriação de filosofias orientais é seletiva: filtramos os conceitos que condizem com nossa perspectiva filosófica e descartamos ou distorcemos o resto. Como partimos de uma visão pragmática e secular, tendemos a ajustar os conceitos para se adaptarem a esse modelo. O mindfulness foi presa fácil desse movimento, tendo sido transformado numa ferramenta para continuarmos correndo atrás de soluções. Se usarmos a atenção plena simplesmente para prestar atenção na respiração durante alguns minutos e em seguida voltarmos à nossa vida no automático, sem consciência, estaremos nos beneficiando muito pouco de suas potencialidades.

Referências

  1. Goyal M, Singh S, Sibinga EMS, Gould NF, Rowland-Seymour A, Sharma R, Berger Z, Sleicher D, Maron DD, Shihab HM, Ranasinghe PD, Linn S, Saha S, Bass EB, Haythornthwaite JA. Meditation Programs for Psychological Stress and Well-being A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Intern Med. 2014;174(3):357-368. doi:10.1001/jamainternmed.2013.13018
  2. Bassam Khoury, Tania Lecomte, Guillaume Fortin, Marjolaine Masse, Phillip Therien, Vanessa Bouchard, Marie-Andrée Chapleau, Karine Paquin, Stefan G. Hofmann, Mindfulness-based therapy: A comprehensive meta-analysis, Clinical Psychology Review, Volume 33, Issue 6, August 2013, Pages 763-771, ISSN 0272-7358, http://doi.org/10.1016/j.cpr.2013.05.005.
  3. Andrew Hafenbrack, Sigal Barsade, and Zoe Kinias. On Whether to Meditate Before a Negotiation: A Test of State Mindfulness. Acad Manage Proc. 2014:1 15676; doi:10.5465/AMBPP.2014
  4. Hanh, TN. A essência dos ensinamentos de Buda. 2001. Rocco.

Foto: Peter Hershey

3 Comentários

  1. Olá Rodrigo, primeiramente parabéns pelo seu texto (muito bem escrito), sou psicólogo clínico e faço mestrado em neurociência, estudo o efeito de práticas de mindfulness em sintomas de ansiedade social.

    Concordo com você quando fala sobre o problema em mindfulness ser divulgado como um “fim em si mesmo”, numa proposta basicamente utilitarista, ou ainda como uma panaceia.

    Porém, não atribuo valor negativo à secularização/ocidentalização das práticas, pelo contrario, acredito que parte da eficácia das intervenções relatadas na produção científica, vem justamente da adaptação cultural realizada no mindfulness. Penso que uma valorização excessiva das práticas tradicionais pode ser uma interpretação um pouco “romântica” da coisa, semelhante à ideia de “bom selvagem” (resguardadas as devidas proporções). Afinal, a ideia de mindfulness que tivemos acesso já foi transmitida e replicada incontáveis vezes, passando por inúmeras modificações (adições e subtrações), inclusive dentro das tradições budistas. Tentar remeter à ideia original como a mais “pura” e por tanto “melhor”, não me parece prudente, pois, hipoteticamente, essa ideia inicial ao ser avaliada por nós poderia inclusive não ser considerada mindfulness

    1. Oi, João.

      Obrigado pelo seu comentário. Acho que a forma como encaramos o mindfulness depende muito da nossa trajetória. Sua opinião é bastante coerente com uma perspectiva de pesquisador. Não acho que tenha defendido a ideia do bom selvagem, e sim apenas apontado que existe uma perspectiva mais secular e prática do mindfulness e outra espiritual e religiosa. A psicologia e a espiritualidade são campos distintos, portanto a visão do que é mindfulness dentro de cada uma dessas perspectivas será diferente.

      Abraço.

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