Somos todos condicionados

Todos nós somos condicionados. Se existe um consenso entre as principais teorias psicológicas, é a de que as nossas experiências, especialmente as da infância e adolescência, moldam a nossa forma de sentir, pensar e agir ao longo de toda a nossa vida. Experiências posteriores, se significativas emocionalmente, como traumas, também podem exercer grande influência sobre quem passamos a ser.

Quando olhamos para as atitudes, opiniões e emoções de uma pessoa, num determinado momento da vida, estamos na verdade enxergando o resultado da soma e interação de um número incontável de variáveis, ao longo de décadas de existência. A esse resultado, dá-se o nome de “história de vida”. Somam-se a isso as características genéticas individual e da espécie, adquiridas durante milhares de anos, que também são, em alguma medida, determinantes dos nossos comportamentos.

Olhar para uma pessoa e enxergar que as suas atitudes são o ápice momentâneo da sua história de vida — ou seja, o comportamento atual é para onde convergiram todas as influências que ela já recebeu e ainda recebe — permite que nosso julgamento sobre ela seja diferente. Na verdade, fica difícil fazer qualquer julgamento quando olhamos para o condicionamento da pessoa, em vez de olharmos para uma atitude isolada. Dentro do contexto da história de vida, todo comportamento faz algum sentido, ainda que seja difícil compreendê-lo a uma primeira vista.

A história de vida é protagonista do processo de psicoterapia. Quando um psicólogo olha para uma pessoa, ele não está olhando apenas para o momento, mas também tentando “ler” a relação entre o que a pessoa apresenta hoje com as características da sua história. Isso é especialmente importante porque uma boa parte do nosso sofrimento — talvez quase todo ele — seja decorrente do nosso condicionamento. Esse raciocínio está muito presente na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).

O problema principal é que as atitudes decorrentes do nosso condicionamento, em geral, são respostas a um contexto específico: muitas vezes o ambiente familiar, mas também da escola e outros espaços em que habitamos nos nossos primeiros anos. Só que a vida muda constantemente e, com isso, nossas estratégias se tornam ineficazes. Pais superprotetores podem gerar uma história de medo que dificulta os enfrentamentos necessários na vida adulta. Um bullying pesado na adolescência pode fazer com que a pessoa, mesmo crescida, tenha um nível exagerado de ansiedade, pois foi “treinada” a estar sempre em alerta. Crianças que cresceram em famílias em que a punição era inevitável podem se tornar adultos apáticos e desinteressados.

Nem sempre é possível mudar os aspectos mais básicos do nosso condicionamento, como a voz interna que constantemente alerta para um perigo, mesmo que há muito inexistente, ou a sensação de medo ao ter que se expor numa situação social. Mas podemos nos habituar a olhar para essas reações com distanciamento, nos dizendo: “isso é o meu condicionamento falando”.

O que podemos mudar, por outro lado, é o nosso comportamento. Podemos agir diferente, gerando novas experiências, que por vezes vão contradizer o nosso condicionamento infantil. Podemos nos arriscar e nos expor e, ainda que sintamos medo, perceber que as fantasias catastróficas não se concretizam. De experiência em experiência, reconhecemos que a voz interna, crítica e medrosa, raramente está certa. Talvez ela nunca se cale, mas a sua importância e influência gradativamente diminuem. Somos todos condicionados, mas isso não quer dizer que não podemos ser livres.

 

Foto: Matheus Ferrero

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