Não são as ações dos outros que nos incomodam, e sim os nossos próprios julgamentos.
Marco Aurélio
Uma boa parte do nosso sofrimento deriva do comportamento dos outros. Quando as pessoas à nossa volta não agem da maneira que gostaríamos, nos sentimos mal. Na nossa perspectiva egocêntrica, acreditamos que se todos agissem e pensassem como nós, o mundo seria muito melhor. Uma pequena autoanálise é suficiente para deixar clara nossa arrogância em colocar sobre o outro uma expectativa criada por nós. Mas, então, como lidar com as dificuldades que enfrentamos quando nos sentimos mal com aquilo que os outros nos fazem? Vejo três posturas necessárias: parar de criar qualquer expectativa sobre o comportamento alheio; parar de tentar mudar o outro; preocupar-se em mudar apenas a única pessoa no mundo que está sob seu controle: você.
Aceitar que as pessoas são como são, imperfeitas, e que farão e dirão coisas que você considera erradas ou até mesmo que fazem você sofrer pode parecer algo extremamente difícil. Mas vamos pensar um pouco na luta que você já travou para mudar outras pessoas: o quanto deu certo? O quanto de sofrimento essa luta gerou em você? O quanto você já se desapontou por não conseguir o resultado que esperava? Nós temos a tendência de querer educar o outro, colocá-lo no caminho certo, fazer com que ele perceba o quanto está errado. Você já parou para pensar como isso pode ser agressivo? Essa atitude deixa subentendido que você é superior, detentor da razão, do julgamento correto. Por sua vez, o outro, por não se adequar aos seus padrões, é errado, e precisa de alguma espécie de conserto, que apenas você pode oferecer.
O pior é que essa postura nos deixa presos aos erros do outro. Ao condicionar o nosso bem estar à atitude “correta” do outro, estamos colocando em outra pessoa o poder de nos controlar. Nos atendimentos que faço, já vi inúmeras vezes pessoas sofrendo porque alguém de quem elas não gostavam insistia em continuar agindo de uma forma negativa ou destrutiva. Mas, ao mesmo tempo, a própria pessoa que sofre não consegue abrir mão da perspectiva de mudar essa pessoa, sem entender que, enquanto ela se prende nisso, é ela mesma quem perpetua seu sofrimento!
Como seria se, em vez de tentar mudar o outro, você usasse o comportamento do outro que enxerga como negativo como inspiração? E se o ódio do outro lhe inspirasse a ser mais amoroso? E se a mentira do outro lhe inspirasse a dizer a verdade? E se a ignorância do outro lhe inspirasse a desenvolver a sabedoria? E se o radicalismo do outro lhe inspirasse a exercitar a tolerância?
Muitas vezes não seguimos esse caminho porque acreditamos não ser justo. Achamos que se o outro age mal, ele deve ser punido e corrigido, e nós não devemos arcar com o prejuízo causado pelas ações de outra pessoa. Pode até ser verdade, mas eu acho que essa perspectiva nos mantém divididos e estressados. Se queremos mudança e focarmos no que realmente podemos mudar — nós mesmos — talvez não precisemos julgar o que é justo ou injusto. Em vez disso, podemos limpar a sujeira feita pelo outro, cuidar do ferimento causado pelo outro, aplacar o ódio originado pelo outro.
Dessa forma, não só ficamos acima do sofrimento que pode ser causado pelo outro como sentimos que estamos resolvendo aquilo que nos incomoda. Assumimos a responsabilidade pela mudança, em vez de esperar a mudança do outro. Independentemente de ser o mais justo, acredito que essa postura mais pragmática, de mais ação e menos julgamento, pode aliviar muito a nossa angústia.
Também vejo que, paradoxalmente, quando assumimos essa responsabilidade e passamos a ser a mudança que esperamos, existe uma chance de que isso faça com que o outro mude, através do nosso modelo. Se respondemos a uma agressão com compaixão, há a chance da pessoa refletir sobre a situação e também mudar. Não devemos tomar a responsabilidade para fazer com que o outro mude, mas é algo que pode acontecer. Tomar para si a mudança que você espera no outro pode ser libertador para ambos.
Foto: mexico rosel