Distorções cognitivas

Uma das maiores contribuições da psicologia cognitiva foi descrever como a nossa forma de pensar ou de ver o mundo pode contribuir para o nosso bem estar ou, quando ela é negativa, para as nossas dificuldades. Distorção cognitiva é um conceito que se refere a uma forma irreal ou irracional de pensar, atrapalhando nosso funcionamento emocional, comportamental e nossas relações. As 10 distorções cognitivas mais comuns são:

1. Pensamento tudo ou nada

É uma forma polarizada de ver o mundo: ou as coisas são ótimas ou péssimas. Isso vale também para as pessoas: ou elas são boas ou más. Ao pensar de forma polarizada, não há espaço para meios-termos ou para entender que as situações são mais complexas do que essas duas categorias permitem ver.

2. Supergeneralização

Tiram-se conclusões a partir de um único evento. Por exemplo, “como fui mal nessa prova, irei mal em todas as provas desse semestre”.

3. Filtro mental

Ignoram-se as situações positivas, focando-se apenas nas negativas. Um detalhe negativo pode fazer com que uma situação que foi, no geral, positiva, seja vista como negativa.

4. Desconsiderar o positivo

Acreditar que os aspectos positivos ou qualidades “não contam”. Junto com o filtro mental, reflete uma autoestima baixa quando acontece com frequência. É comum que pessoas que se avaliam muito duramente se apeguem a uma crítica que receberam, mesmo que tenham recebido 20 elogios na mesma situação.

5. Conclusões precipitadas

Tiram-se conclusões precipitadamente, a partir de um evento sem levar em consideração todas as possibilidades. Por exemplo, se uma pessoa nos dá uma resposta atravessada, já pensamos “ela não gosta de mim”, sem pensar nos diversos fatores que podem levar a pessoa a agir dessa forma.

6. Catastrofização

Pensa-se sempre que uma coisa terrível vai acontecer, a partir de um evento muito pequeno. Por exemplo, uma pessoa que comete um erro simples no trabalho e acredita que vai ser mandada embora ou alguém que pensa que está gravemente doente quando o que tem é apenas um resfriado.

7. Raciocínio emocional

Acreditar que as emoções que sentimos determinam a realidade de uma situação. Por exemplo, “sinto-me um idiota, então devo mesmo ser um”.

8. Pensamentos “tenho que”

Nossos pensamentos e nosso discurso é permeado por ordens: “eu deveria ser diferente”, “eu tenho que fazer isso”, “fulano precisa fazer aquilo”. Tudo é visto como uma obrigação ou uma tarefa.

9. Rotulação

Em vez de avaliar as ações ou situações, a pessoa se atribui um rótulo a partir delas. Por exemplo, ao cometer um erro, ela diz “sou um incompetente” ou “sou um perdedor”, em vez de pensar “essa minha atitude foi errada”.

10. Personalização

Acreditar que tudo que acontece tem a ver com a gente. Por exemplo, ao receber uma fechada no trânsito, levamos como uma ofensa pessoal. Também se refere a imaginar que temos controle e culpa sobre tudo, mesmo com coisas que claramente não têm a ver conosco ou nao são inteiramente nossa responsabilidade: “se eu fosse uma esposa melhor meu marido não estaria em depressão”.

Lidar com as distorções cognitivas é importante porque a maneira como vemos o mundo contribui bastante para nosso estado emocional. Se enxergamos todas as situações como nossa culpa, se nos julgamos mal por conta de um erro ou se ficamos presos demais na forma como acreditamos que as coisas fossem, é muito difícil viver bem. Embora mudar a forma de pensar a fim de não distorcer a realidade seja uma tarefa difícil, uma das coisas que você pode fazer desde já para iniciar esse processo é prestar atenção nos seus pensamentos e nas suas avaliações. Será que eles se encaixam nas categorias listadas acima? Simplesmente perceber que estamos pensando de uma forma distorcida já é meio caminho percorrido em direção a uma relação mais saudável com o mundo e com nós mesmos.

Referências
Burns, D. D. (1980). Feeling good: The new mood therapy. New York: William Morrow & Company.
Grohol, J. (2009). 15 Common Cognitive Distortions. Psych Central. Retrieved on February 17, 2014, from http://psychcentral.com/lib/15-common-cognitive-distortions/0002153

Simplicidade voluntária

Foto: Danielle Christine
Foto: Danielle Christine

Fui para a mata porque queria viver deliberadamente, enfrentar apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar, em vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha vivido.
Henry David Thoreau

Um fenômeno crescente nos últimos anos é a adesão de pessoas a uma forma de vida mais simples, não por necessidade, mas por opção. No nosso mundo urbano e industrializado, somos dirigidos a consumir o máximo que pudermos, sendo o único limite o dinheiro que possuímos (ou, às vezes, até o que não possuímos). Entretanto, muitas pessoas têm percebido que o consumo excessivo e a posse de bens materiais não significam uma vida mais feliz — em muitos casos, pode ser o contrário — e escolhem abrir mão de compras, coisas e até carreiras.

Uma das definições da simplicidade voluntária (do coletivo da simplicidade) afirma que a rejeição do consumismo surge do reconhecimento que os hábitos de consumo ocidentais estão degradando o planeta; que viver consumindo excessivamente não é ético num mundo em que muitas pessoas têm necessidades; que o sentido da vida não é e não pode consistir no consumo ou no acúmulo de bens materiais.

Ou seja, percebe-se que há três motivações principais para uma vida mais simples. A primeira delas é ecológica, ao compreender que nossos hábitos podem ser agressivos ao planeta. A menos que você já tenha uma vida bastante simples, seu estilo de vida pode tirar mais do planeta do que ele é capaz de recuperar. Para saber mais, confira a sua pegada ecológica (clique no Brasil para fazer o teste em português). A segunda motivação é ética: num mundo com recursos limitados, tomar demais pode significar tirar do outro; o excesso de um é a escassez do outro. O terceiro motivo é pessoal. O consumismo simplesmente não entrega o que promete. Trabalhamos demais, fazemos dívidas e destruímos o planeta na tentativa de sermos felizes, e isso simplesmente não funciona. Triste, não?

A ideia de uma vida mais simples não é algo novo. Em 1854, Henry David Thoreau publicou Walden, uma autobiografia que descreve os anos em que, voluntariamente, morou sozinho na floresta próxima ao lago Walden, em Concord, nos Estados Unidos. Nesse período, Thoreau viveu com o mínimo possível, buscando ter contato apenas com o essencial da vida. O livro condena a sociedade consumista e capitalista da época, mas é surpreendente perceber como as críticas permanecem atuais. Clique a seguir para baixar o texto completo: Walden ou A Vida nos Bosques.

Você pode estar se perguntando se precisa ir morar numa cabana isolada no meio do mato para conseguir uma vida mais simples. É claro que não. Mas existem diversas coisas que você pode fazer para simplificar sua vida.

1. Questione
A primeira coisa é mudar a sua forma de encarar o consumo e a relação com os bens materiais. Nós tendemos a pensar “eu quero isso” sem avaliar qual o real custo daquilo que queremos. Quando consumimos algo, o custo não é apenas o que pagamos, mas também o de armazenar, de cuidar, de consertar, de descartar. Em vez de focar apenas no “querer”, você pode se perguntar, ao longo de alguns dias: “eu preciso realmente disso?”, “estou disposto a arcar com todos os custos que isso vai me trazer?”, “no longo prazo, isso vai realmente melhorar a minha vida?”. Se a resposta para qualquer dessas perguntas for não, abra mão do seu desejo.

2. Doe
A generosidade não é apenas éticamente louvável. Ela também nos torna mais felizes. Faça o teste: compare aquilo que você sente ao comprar uma coisa nova ou a dar algo para alguém. Tente perceber qual dessas atitudes leva a um bem estar mais significativo e mais duradouro. Vasculhe a sua casa e liste tudo aquilo que você não usa mais (roupas, objetos, móveis). Cuidado com as armadilhas que você vai se colocar mentalmente, como “posso precisar disso um dia”. Se você precisar, pode pedir emprestado. Procure só manter aquilo que você de fato usa com frequência. Desfaça-se do resto (doe ou venda). Você terá mais espaço, menos coisas para arrumar e conservar.

3. Avalie seu estilo de vida
Como você se locomove? Como é a sua alimentação? O seu lazer? Se você anda sozinho de carro, se come apenas alimentos industrializados e se sua noção de diversão é um passeio no shopping, talvez seja a hora de parar para pensar. O que você está fazendo com seu tempo, com seu corpo, com o seu planeta? O seu modo de vida tem feito você feliz? Ou você está sempre esperando aquele dia mágico em que a felicidade finalmente chegará?

Algo a se considerar também é o seu trabalho. Você gosta do que faz? Consegue trabalhar apenas as horas suficientes e aproveitar o resto do seu dia? Se você não gosta do seu trabalho ou trabalha demais apenas pelo retorno financeiro, considere o custo que isso realmente tem na sua vida. Qual o sentido de ter dinheiro se você não tem tempo, ou ganhar dinheiro apenas para continuar vivendo fazendo algo que não faz sentido para você? Veja o caso desse dentista que abriu mão de 80% da sua renda para viver uma vida mais simples.

Nós temos apenas uma vida, e diariamente escolhemos como a vivemos. Como você está vivendo a sua? Nós não estamos sozinhos no planeta. Temos sete bilhões de outros “eus” tentando viver bem e ser felizes assim como nós. Isso sem falar das outras formas de vida como animais e plantas. Temos uma responsabilidade com todos eles. Tendemos a achar que devemos consumir o máximo, o quanto nosso salário — ou o limite do nosso cartão de crédito — permite. Mas isso, além de ser impossível, não tem nos deixado mais felizes. Talvez uma forma melhor seja entender que tudo que consumimos — não importa se pagamos por aquilo ou não — é um empréstimo tomado do planeta e das outras pessoas. Dessa forma, podemos entender que cada um de nós tem direito apenas a uma pequena parte, aquela que é suficiente. E viver com essa parte suficiente não é apenas social e ecologicamente justo, mas também é o caminho para uma vida boa.