A dor de não saber

Guilherme Cecílio
Foto: Guilherme Cecílio

Considere alguém que é viciado em heroína mas está tentando parar de usar a droga. A partir do momento em que ela decide parar de usar, ela se encontra no meio de uma situação muito ambígua. Ela vai continuar limpa ou vai voltar a usar? Ela vai? Ou não?

E a resposta? Ninguém sabe. A pessoa viciada não tem uma bola de cristal; ela não pode ver o futuro. Só existe uma forma de saber com certeza, apenas uma maneira em que ela pode eliminar a densa ambiguidade: enfiar a agulha no braço. No momento em que ela usa, ela tem um momento de alívio da ambiguidade. (…) Para alguns de nós, de tempos em tempos—e para alguns de nós, o tempo todo—a dor de não saber pode se sobrepor à dor da mais destrutiva das ações.
(…)
Aprender a amar a ambiguidade pode ser uma ação muito poderosa, embora contraintuitiva. Amar aqui não significa amar no sentido romântico. Falamos de amar como um ato. Você pode aprender a valorizar e a se importar com a ambiguidade. Você pode convidá-la para sua casa por um tempo, oferecer-lhe uma limonada, conversar com ela e ouvir o que ela tem a dizer. Frequentemente, você descobre coisas em meio à ambiguidade que não pode ver ou experienciar em nenhum outro lugar.

Kelly G. Wilson

Nosso desconforto com a ambiguidade é extremamente poderoso. Detestamos não saber o que vai acontecer. Por isso, fazemos muitas coisas que não queremos ou gostamos simplesmente para nos livrar de situações ambíguas. Podemos, por exemplo, desistir de um curso por não sabermos se não vamos conseguir nos sair bem. Ou permanecer num relacionamento infeliz por não saber como será nossa vida após o término. Preferimos a infelicidade certa do que a felicidade incerta.

Mas o fato é que na verdade nunca realmente sabemos o que vai acontecer. A nossa vida é pura ambiguidade. Nos apegamos a certezas e rotinas que nos dão uma sensação de controle, mas se pensarmos bem, perceberemos que esse controle, essa segurança, é puramente ilusória. Para conseguirmos viver da maneira que queremos, ou seja, agir em função dos nossos valores, é fundamental tolerar a ambiguidade. Pois tentar evitá-la é justamente o que nos faz adiar nossos sonhos e aspirações, em nome dessa pretensa segurança. Além disso, se temos a ambiguidade como aversiva, permanecemos o tempo todo ansiosos, já que a ambiguidade é praticamente constante.

A vida pode mudar radicalmente de um dia para o outro: você pode perder o emprego ou ganhar na loteria; e a vida também pode não ter nada de surpreendente por algum tempo. E é justamente essa incerteza que a torna tão fantástica, se você conseguir mergulhar nela. Você pode enxergar o desconhecido com curiosidade e até excitação, como alguém que espera o próximo capítulo da novela. E aí, pode-se ter um ganho enorme de liberdade, pois deixamos de agir para escapar de situações de incerteza e passamos a guiar nossas atitudes a por aquilo que queremos para nós mesmos.

Referência
Wilson, K. G. (2010). Things might go terribly, horribly wrong. Oakland: New Harbinger.

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